São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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SAÚDE

Aumento de 50% faz parte de um pacote de ações do Ministério da Saúde; religiosos e médicos consideram o remédio abortivo

Cresce distribuição da pílula do dia seguinte

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério da Saúde vai aumentar em 50% a distribuição do contraceptivo de emergência, mais conhecido como pílula do dia seguinte, na rede pública de saúde. A medida é bastante polêmica porque há grupos religiosos e médicos contrários ao método por considerá-lo abortivo.
No ano passado, foram distribuídos na rede pelo menos 120 mil contraceptivos de emergência a cerca de 2.000 cidades, segundo informação de movimentos feministas que acompanham a distribuição dessas pílulas.
O medicamento é indicado para evitar gravidez indesejada e deve ser tomado até 72 horas após o ato sexual. A pílula causa, entre outras reações, uma esfoliação do útero, dificultando a fixação de um eventual óvulo fecundado.
Para a Igreja Católica, antes de se fixar no útero, o óvulo fecundado já é o início de uma vida humana. "Se ele [o óvulo] for expelido antes da sua fixação no útero, já se trata de aborto", afirma o professor Humberto Leal Vieira, membro vitalício da Pontifícia Academia para a Vida, um escritório do Vaticano para questões éticas.
Já a Sociedade Internacional de Ginecologia e Obstetrícia conceitua a gravidez a partir da nidação, ou seja, da fixação do embrião na camada que reveste o útero (endométrio). Mas nem entre os médicos há consenso.
"É hipocrisia negar que a pílula seja abortiva. Ela é abortiva sim e a mulher precisa estar informada para tomar uma decisão consciente", diz o médico Marcelo Zugaib, chefe do departamento de ginecologia e obstetrícia do Hospital das Clínicas de São Paulo.
E Zugaib não é exceção. Pesquisa com 579 ginecologistas brasileiros, publicada em 2001, mostrou que 30% deles consideravam a pílula abortiva. Na opinião de Jorge Andalaft Neto, da Febrasgo (Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia), hoje a situação deve ser outra porque os profissionais estão mais bem informados sobre a ação do contraceptivo.
Andalaft Neto, que preside a comissão de violência sexual e de interrupção da gestação prevista em lei da federação, afirma que há muitos estudos demonstrando que a pílula não provoca o aborto caso a mulher já esteja grávida.
O contraceptivo de emergência vem sendo sugerido pela rede pública, principalmente, em duas situações: quando o método usado pelo casal falha (especialmente a camisinha) ou no caso de violência sexual contra a mulher.
"Nossa preocupação deve ser com a saúde pública, com a saúde da mulher, com o direito de opção. Respeitamos totalmente a visão da igreja e seus princípios, mas, como autoridades de saúde pública, nossa preocupação deve ser com a saúde da população", disse o ministro da Saúde, Humberto Costa.
Polêmicas éticas e morais à parte, médicos e grupos feministas vêem na decisão do governo uma porta para a diminuição dos casos de abortos clandestinos. O aborto é a terceira causa de morte materna e a quinta causa de internação na rede pública de saúde do país.

Abortos
Segundo a médica Fátima Oliveira, secretária-executiva da organização não-governamental Rede Feminista de Saúde, estima-se que as brasileiras façam anualmente 1 milhão de abortos clandestinos. Cerca de 250 mil mulheres são internadas por ano na rede pública por abortos provocados.
A mortalidade materna atinge 74 entre 100 mil mulheres nas capitais, e a meta do governo é reduzir em 25% essa taxa até 2006.
Em todo o país, há cerca de 80 serviços que atendem mulheres vítimas de violência sexual, mas nem todos fazem aborto. Alguns apenas oferecem exames para identificar se a vítima contraiu doenças. Assim, muitas mulheres, especialmente as de baixa renda, ainda têm dificuldades de acesso ao aborto legal mesmo nos casos assegurados por lei -quando a gravidez coloca em risco a vida da mulher ou em casos de estupro.
Em 2002, foram feitos na rede pública 946 abortos legais -os números de 2003 ainda não foram fechados.
De acordo com Andalaft Neto, houve uma queda de 60% nos pedidos de aborto legal desde o início da distribuição dos contraceptivos nos serviços que atendem mulheres vítimas de violência.
Segundo a Folha apurou, o objetivo do governo é colocar as pílulas do dia seguinte não apenas nos serviços que atendem mulheres vitimizadas sexualmente, mas em postos de saúde para que mais mulheres -que se enquadram nas situações indicadas para tomar o medicamento- possam ter acesso a ele.
Além de colocar mais contraceptivos de emergência na rede pública, o médico Andalaft Neto defende que o governo também facilite o acesso das usuárias às consultas médicas. Nos postos de saúde, o prazo para a mulher conseguir uma consulta dificilmente é menor do que uma semana, o que inviabilizaria o uso do contraceptivo de emergência.
O incremento da oferta da pílula do dia seguinte é uma das sete diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Mulher, que deverá ser lançada em maio, com cerimônia no Palácio do Planalto.
O contraceptivo de emergência entrou no cardápio de medicamentos da rede pública em 2002, quando foram distribuídas 100 mil doses do remédio para aproximadamente 400 cidades com mais de 50 mil habitantes.
A pílula até hoje é distribuída aos municípios nos chamados kits complementares com os métodos contraceptivos que necessitam de acompanhamento médico mais assíduo, caso do DIU (Dispositivo Intra-Uterino) e dos anticoncepcionais injetáveis.


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