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TJ desqualifica vítima para manter condenação de réu
Órgão considera que mulher que negou abuso sexual de ex-guarda civil mentiu
Mauro Henrique Queiroz havia sido absolvido em 2008 de caso ocorrido na década de 50, mas decisão foi revista após reportagem
ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
A história do ex-guarda civil
Mauro Henrique Queiroz, um
dos mais emblemáticos casos
da Justiça de São Paulo, ganhou
novo ingrediente de polêmica
com a publicação do acórdão do
Tribunal de Justiça que explica
porque os desembargadores
mantiveram a condenação: para eles, a vítima Sônia Brasil,
65, mente para inocentar o réu.
Mauro foi condenado em
1959 por ter passado o pênis no
braço de Sônia, dois anos antes
(quando ela tinha 11 anos), dentro de um ônibus lotado. Um
dos principais alicerces dessa
condenação foi, justamente, o
depoimento da vítima.
Na época, os magistrados disseram que, apesar de ser um
"testemunho infantil", "não seria prudente nem razoável"
desprezá-lo. Mauro, foi então,
condenado a seis meses de detenção, pena convertida em liberdade vigiada. Agora, os desembargadores dizem que a
versão de Sônia para inocentar
o guarda Mauro "não possui
nenhuma consistência, nem a
menor credibilidade".
O pedido para mudar essa
condenação é movido pela viúva e dois filhos do ex-guarda.
Mauro, segundo a família, escondeu esse condenação durante cerca de 40 anos e só resolveu contá-la meses antes de
morrer. "Estou lutando contra
uma coisa que eu não devo. Me
condenaram, mas sou inocente", disse ao filho Amauri, 53.
Sete anos de depois da morte
de Mauro, a família conseguiu
encontrar Sônia, que disse que
tudo tinha sido uma armação e
que ela mentiu por determinação da avó. A mesma versão foi
repetida à Folha pela, agora,
sexagenária dona de casa.
"Mauro é inocente de ter feito coisas que não se deve fazer
com uma criança dentro do
ônibus. Que as coisas teriam sido feitas contra a depoente
dentro de um ônibus e foram
contadas pela avó da depoente,
chamada Gabriela", disse em
2005, em frente a um magistrado e a uma promotora.
Em 2008, o Tribunal chegou
a publicar um acórdão absolvendo o ex-guarda. Dias após a
publicação pela Folha sobre a
história de Mauro, no final de
2009, o Tribunal de Justiça fez
uma nova sessão para anular o
documento, a pedido do desembargador Damião Cogan.
Segundo o tribunal, houve
um erro nessa publicação porque eles queriam na verdade
manter a condenação.
Em seu relatório, o desembargador Ricardo Cardozo de
Mello Tucunduva chama de
"patético desabafo" o fato de
Mauro ter contado ao filho sua
condenação. Diz, também, que
Sônia se comporta como "verdadeira ré" ao chamar o advogado de "defensor constituído".
"Aliás, é triste a sina de Sônia: quando era menina, o juiz
do processo, tachando-a de
mentirosa, absolveu Mauro.
[...] Agora, já velha, Sônia é novamente desacreditada, por
80% dos desembargadores",
diz trecho do relatório.
Tucunduva se refere à decisão de juiz de primeira, João
Estevam de Siqueira Júnior,
instância que, em 1959, inocentou Mauro "sob pena de praticar grave erro judiciário".
No recurso apresentado à
Justiça, o advogado Álvaro Nunes Júnior ressalta o fato de
que o magistrado da época
acreditou na inocência do ex-guarda, assim como o juiz Pedro Luiz Aguirre Menin e a
promotora Maria Teresa Godoy acreditaram, em 2005, na
versão apresentada por Sônia.
O defensor também reclama
do fato de o desembargador ter
utilizado para manter a condenação a manifestação do promotor de 1959 e ter desprezado
a do procurador Júlio César de
Toledo Piza que, em 2005, manifestou-se pela absolvição.
"Não por insuficiência de provas, como as provas da época
permitiram ao juízo monocrático, mas por estar provada a
inexistência de fato, [...], permitindo também que a família
de Mauro tenha orgulho do falecido marido e pai", finaliza.
O acórdão traz o voto contrário do desembargador Pedro
Gagliardi, que votou pela absolvição do réu.
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