São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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Morador resiste a deixar morro condenado

Famílias sabem que casas no morro do Fubá estão ameaçadas, mas preferem ficar; "Deus vai nos proteger", afirma residente

Casas que deveriam ter sido demolidas continuam de pé; moradores do local dizem que mal conseguem dormir devido aos barulhos à noite


Silvia Izquierdo/AP Photo
Homem chora depois de desmoronamento em Niterói, área mais afetada pelo temporal no Rio

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Ninguém dorme no morro do Fubá, zona norte do Rio, apenas cochila, diz um morador, numa referência aos estalos noturnos constantes, eventual prenúncio de nova tragédia.
A maranhense Ana Júlia de Souza, 42, deveria ter abandonado o barraco em que mora no Fubá há três meses, quando o imóvel foi condenado pela Defesa Civil. Mas ela insiste em ficar no cubículo de pouco mais de dez metros quadrados.
Ana Júlia passa o dia em frente à TV vendo o noticiário sobre os resgates de vítimas da chuva em morros do Rio e de Niterói, mas não acredita que possa se tornar mais um número nas estatísticas de morte.
""Tenho fé de que Deus vai nos proteger", disse a moradora, repetindo o presidente Lula que, no início da semana, apelou para a ajuda divina para conter as tragédias no Rio.
Três pessoas morreram soterradas no deslizamento no morro do Fubá, na virada do ano. As mortes não ganharam espaço na imprensa porque foram abafadas por uma tragédia maior: a de Angra dos Reis, que vitimou 52 pessoas.
Na ocasião, a Defesa Civil determinou a remoção de 72 famílias das áreas de risco do morro do Fubá, entre elas, o casal Ana Júlia Souza e Francisco Marcelo Fernandes.
As casas deveriam ter sido demolidas, mas alguns imóveis continuam de pé, permitindo que famílias voltassem a ocupá-los.
Mãe de três filhos, Ana Júlia mudou-se para o Rio de Janeiro em 2002, e foi morar no Fubá. ""Esperava ter oportunidade maior no Rio", disse ela, que trabalha tomando conta de uma idosa. O marido, 16 anos mais novo, é faxineiro. Na casa, mal cabem cama de casal e o fogão; o banheiro não tem porta.
Mesmo assim, afirma ser feliz lá e que se diverte com os amigos. ""O que tiver que acontecer, vai acontecer, seja com o rico ou com o pobre, porque casas de ricos estão desmoronando também", diz ela.

Proteger os bens
Na última segunda-feira, os deslizamentos voltaram a assustar os moradores do morro do Fubá. Quatro casas desabaram e 12 famílias estão abrigadas dentro da capela São José Operário. Elas contam que fugiram para a igreja durante a madrugada, porque a terra ameaçava invadir as casas. Faltava luz e as famílias corriam pelos becos no escuro.
Uma assistente social da prefeitura esteve na favela, na sexta-feira, e mandou que várias famílias deixassem as casas, que correm o risco de ruir, mas muitos não arredam pé.
As vizinhas Maria Marimar Batista, 53, e Shirlei Cristine Santos, 30, estão nessa situação. Segundo elas, a assistente social mandou que buscassem abrigo em casas de parentes e amigos, mas elas não querem abandonar os pertences, porque seus imóveis foram considerados seguros pela Defesa Civil no início do ano.
Mãe de quatro filhos, Shirlei Santos diz que só deixará sua casa se tiver um laudo de condenação do imóvel, para que possa se candidatar a uma casa do governo no programa "Minha Casa, Minha Vida" ou nos programas da Prefeitura do Rio de assistência aos removidos.
Os moradores do morro do Fubá dizem que ficam sobressaltados com os barulhos durante a noite. ""Ouço água correndo, estalos. É tanto barulho que só cochilo"", diz a cearense Maria Marimar Batista.
A Secretaria de Habitação municipal afirmou à Folha que os imóveis condenados devem ser demolidos, mas afirmou que não é dela a responsabilidade pela demolição. O órgão não soube apontar o responsável pelo trabalho.
Segundo a secretaria, a prefeitura paga auxílio-aluguel (R$ 250 por mês) a 1.184 famílias e que, desde janeiro de 2009, início da gestão do prefeito Eduardo Paes (PMDB), 416 famílias compraram novo imóvel com assistência da prefeitura, 141 receberam indenização pelo valor do imóvel e 352 estão em abrigos provisórios. Das 72 casas condenadas no morro do Fubá no início do ano, 15 famílias, segundo a secretaria, recebem auxílio-aluguel, 22 foram indenizadas e 25 compraram novo imóvel com assistência da prefeitura.


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