São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Simulador de sonhos


Os bancos se uniram num projeto para ensinar a gastar -afinal, o mau pagador não é um bom negócio


VOCÊ sabe o que significa estar endividado? A resposta parece óbvia. Daí o espanto com que os bancos brasileiros receberam o resultado de uma investigação feita com os consumidores emergentes, favorecidos pelo aumento de renda combinado com a expansão do crédito.
Para uma expressiva parte desse grupo, estar endividado não é ter dívidas. É não poder pagá-las em dia. Existe o pensamento mágico de que o calote é o resultado não da falta de planejamento, mas de alguma ação externa inevitável. Vale a pena, segundo a pesquisa, atolar-se em dívidas para comprar produtos de grife, mais caros; afinal, eles representam status e inclusão.
Preocupados em combater essa atitude, os bancos se uniram num projeto que visa ensinar a gastar, tentando introduzir nas escolas aulas de educação financeira -afinal, o mau pagador não é um bom negócio.
Entre seus materiais, desenvolveu-se num site um "simulador de sonhos": o internauta clica na imagem do produto e informa quanto consegue economizar mensalmente. O programa calcula quantos meses a pessoa teria de poupar para realizar seu sonho sem ficar pendurada em dívidas.
A pesquisa encomendada pelos bancos revela a falta de conexão com a realidade, uma euforia quase adolescente diante da possibilidade de consumir -certamente esse será o tom da sucessão presidencial.

 


Na semana passada, acumularam-se mais informações sobre a prosperidade do brasileiro. Recorde de novos empregos formais em março, aumento da classe C no ano passado apesar da crise, expansão da banda larga nas residências, superando o acesso à internet por LAN houses.
Começo dizendo que nunca vi o país tão bem, com essa combinação de aumento da renda, do emprego e dos investimentos sociais, tudo isso em clima de estabilidade política.
Sou de uma geração que viu muito crescimento e pouca democracia, muita democracia e pouco crescimento -e, em alguns períodos, nenhuma das duas coisas. Como qualquer pessoa com um mínimo de sobriedade e informação, sei que a grande sacada do Lula é ser a continuação econômica de Fernando Henrique Cardoso, com um discurso social mais forte.
Mas se produziu um ambiente de quase unanimidade com toques de fantasia -e essa é a grande plataforma de Dilma Rousseff.

 


Receio que esse clima um tanto de fantasia possa anestesiar o debate sucessório entre os candidatos sobre questões essenciais ao futuro do país. Principal adversário do PT, José Serra passa a mensagem de que pretende ser uma versão melhorada da gestão Lula, o que talvez seja sua única chance de vencer Dilma Rousseff. Daí o slogan "Pode Mais".
Em síntese, Dilma e Serra disputam o posto de "melhor pós-Lula". Para ver a dificuldade de Serra, basta observar um detalhe da mais recente pesquisa do Datafolha: na cidade de São Paulo, governada por democratas e tucanos, a candidata do PT já está com 25%, e muitos eleitores ainda não sabem que ela é a favorita do Lula.

 


Não vou aqui discutir se o Brasil "pode mais" com Serra ou Dilma -aliás, considero ambos sérios e dedicados à causa pública, mas não vejo brilho nem na gestão de Serra como governador de São Paulo nem na de Dilma como ministra. Serra apresenta-se como tocador de obras, o que, convenhamos, nada tem de inovador.
Quem não se guia pelas emoções, pelos slogans e pelo jogo de marqueteiros sabe que, para o país poder crescer mais, existem muitas brigas pesadas pela frente -aposentadorias que ameaçam sufocar as contas, gastos que incham a folha de pagamentos, aparelhamento do Estado, alta carga de impostos, reforma trabalhista, ausência de metas de desempenho do funcionalismo, baixo investimento público.

 


O aumento de renda gerou uma sensação de euforia entre os consumidores emergentes, mas, como os produtos que eles consomem, essa euforia tem prazo de validade.
Fazem parte do jogo democrático as expectativas crescentes. A classe C mais educada não vai aceitar essa escola pública para seus filhos nem o atendimento de saúde. Vai sonhar não só com a casa própria, mas com uma casinha na praia.
No mais, é ilusão imaginar que dá para viver pendurado em dívidas, sem planejar o futuro.

 


PS - Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) a pesquisa encomendada pela Febraban que orientou o programa de educação financeira, cujo projeto (e simulador do futuro) está no www.meubolsoemdia.com.br.

Redes de ensino decidiram usar o material no currículo regular -de matemática, por exemplo. gdimen@uol.com.br


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