São Paulo, terça-feira, 11 de maio de 2004

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Em silêncio, adolescentes fazem peregrinação

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles vão chegando quietos, cabisbaixos, alguns de gorro, outros de moletom para se proteger da tarde fria e cinzenta. Estão quase uniformizados, com suas calças jeans de boca larga arrastando no chão meio molhado pela garoa.
Estão tristes, e sua tristeza se manifesta em flores, bilhetinhos, velas coloridas e nas muitas frases pichadas nas árvores, pedras e calçadas da praça onde tudo aconteceu.
Os nomes dos amigos aparecem em tinta branca, vermelha, amarela: Nana, Ro, Dru, Chico, Vivi, Didi, Tatá, Juana, Bé, Gabi... Todos eles passaram por ali para homenagear o Gui, o Alemãozinho.
A grande faixa amarrada entre dois postes diz tudo: "É fácil lembrar quando se tem memória, difícil esquecer quando se tem coração. Alemãozinho, saudade..."
Do outro lado da rua estão o banco e a árvore junto aos quais Guilherme Mendes de Almeida, 15, o Gui, o Alemãozinho, foi morto com cinco tiros por quem, supostamente, deveria dar segurança à área.
Ontem, aquele canto da praça virou local de peregrinação de dezenas de adolescentes abalados pela tragédia que levou embora um jovem igual a eles.
Meio ao longe, dois rapazes que moram por ali passeiam com seus cachorros. Leonardo, 17, não era amigo do Gui, mas conhecia o garoto. "É uma turma tranqüila, que não incomodava ninguém. Não havia motivo para o que aconteceu." Arthur, 18, caminha com seus cães todos os dias na praça: "Nunca vi confusão. Eles ficavam aqui na boa. Um absurdo um cara armado que deveria dar proteção fazer o que fez."

Amigo de todos
Bia e Dea, 15, chegam de mansinho, com uma gérbera e um bilhetinho nas mãos. Sentam-se no chão perto da árvore onde já há outras manifestações de carinho, e lêem em voz baixa um bilhete para o Gui, enquanto depositam a flor. Não querem conversa. Dizem apenas que o Gui era "tranqüilo, um menino super do bem, amigo de todo mundo".
A mesma coisa afirma Paula, 16. "Ele não devia nada a ninguém. Como todo adolescente, era um pouco irritado, mas nada demais", diz a garota, também integrante da turminha que se reunia na praça para conversar, falar de skate e rap e combinar baladas na vizinha Vila Madalena.
Às 15h, enquanto os adolescentes continuam fazendo suas homenagens e curiosos param para ver ou para rezar, o pai de Guilherme, João Eduardo Mendes, 46, chega ao local. Abatido e um pouco agitado, olha bem as flores e bilhetes e ajoelha e reza por cinco minutos. Antes de ir embora, desabafa: "Eu não quero que meu filho vire um ídolo, um mártir. Mas será mais um nome pedindo que se acabe com a impunidade que existe hoje. Eu quero apenas justiça, mais nada. É linda a homenagem que essa garotada está prestando ao Guilherme. Ele deve estar feliz. Com certeza está".


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