|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
A paixão custa caro. A criatividade, não
Ligou. Ela atendeu, surpresa (mas gentil, afável, até) e ele foi logo perguntando: você ainda tem a bolsa que lhe dei?
|
O 12 de junho nem sempre é bem visto
por casais de namorados. Significa preocupações com o presente que será dado.
Além da responsabilidade de acertar o
gosto do companheiro(a), a restrição orçamentária ainda atrapalha as compras
de muita gente. Antes de sair às compras
em busca de um presente para sua cara
metade, tenha em mente o quanto você
quer e pode gastar. Não deixe para fazer
as contas quando estiver no caixa. Não
vale a pena entrar no vermelho só para
ver um sorriso no rosto do(a) seu namorado(a). Em muitos casos, apenas com
uma dose de criatividade é possível conseguir o mesmo efeito. Folha Online
FOI COM crescente preocupação que ele viu se aproximar o
Dia dos Namorados. Não que
não tivesse o que celebrar, ao contrário. Estava namorando uma moça linda, culta, inteligente, de muita
classe. E esse era exatamente o problema: muita classe. De família rica
e refinada, a garota tinha gosto exigente. Certamente não se contentaria com presentinhos baratos, tipo
um buquê de flores. Não, o presente
teria de impressioná-la, mostrando
a seriedade dos propósitos dele. E isso custaria caro.
Um ano antes, preços não seriam
obstáculo; bem empregado, com um
bom salário, ele podia gastar em sofisticados mimos. Mas agora, sem
trabalho, vivia da poupança, esperando que a sorte melhorasse.
Às voltas com esse dilema, lembrou-se do Dia dos Namorados anterior. Tinha então outra namorada,
a quem presenteara regiamente. O
que, aliás, se revelara um tiro pela
culatra. Dera à garota uma bolsa caríssima, de grife. Tão logo abrira o
pacote, ela se mostrara desapontada: odiava aquele tipo de bolsa. Ele,
por sua vez, irritara-se com aquela
desconsideração. Seguira-se um
amargo bate-boca, com mútua troca
de acusações e pronto, no próprio
Dia dos Namorados haviam rompido. E, desde então, não tinham mais
se visto. Ela até dissera que ele poderia levar a bolsa de volta, mas ele, altaneiro, dissera que não, que presente era presente. Ela poderia fazer
com a bolsa o que bem entendesse.
Uma coisa agora lhe ocorria, um
raciocínio ao qual certamente não
faltava a criatividade que, na vida
empresarial e na vida amorosa, é
igualmente importante. Quem sabe
poderia fazer à ex-namorada uma
proposta? Pediria a bolsa de volta
(ou até a compraria, desde que por
módico preço). Para a garota não faria diferença. Para ele, poderia ser a
salvação: teria um belo presente para a namorada atual.
Ligou. Ela atendeu, surpresa (mas
de maneira gentil, afável, até) e ele
foi logo perguntando: você ainda
tem a bolsa que eu lhe dei? Sim, ela
tinha, ainda que não a usasse: guardava-a como recordação de um
grande amor. Ele então disse que
gostaria de fazer-lhe uma proposta.
Poderiam marcar um encontro?
Marcaram um encontro no apartamento dela na véspera do Dia dos
Namorados, o que se revelou simbólico, porque terminaram na cama,
reconciliados e felizes.
Sim, a ruptura fora um erro, que
eles agora corrigiam. Aproveitando
a oportunidade, ela perguntou se
poderia trocar a bolsa por alguma
outra coisa, um vestido. Ele disse
que sim, e acrescentou: "Será o meu
presente deste ano".
A paixão pode custar caro, mas a
criatividade sempre ajuda.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
Texto Anterior: Organizadores do evento pedem apoio ao projeto que criminaliza a homofobia Próximo Texto: Consumo: Cliente reclama de serviço da Natura após compra de colônia Índice
|