São Paulo, segunda-feira, 11 de junho de 2007

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MOACYR SCLIAR

A paixão custa caro. A criatividade, não


Ligou. Ela atendeu, surpresa (mas gentil, afável, até) e ele foi logo perguntando: você ainda tem a bolsa que lhe dei?

 O 12 de junho nem sempre é bem visto por casais de namorados. Significa preocupações com o presente que será dado. Além da responsabilidade de acertar o gosto do companheiro(a), a restrição orçamentária ainda atrapalha as compras de muita gente. Antes de sair às compras em busca de um presente para sua cara metade, tenha em mente o quanto você quer e pode gastar. Não deixe para fazer as contas quando estiver no caixa. Não vale a pena entrar no vermelho só para ver um sorriso no rosto do(a) seu namorado(a). Em muitos casos, apenas com uma dose de criatividade é possível conseguir o mesmo efeito. Folha Online

FOI COM crescente preocupação que ele viu se aproximar o Dia dos Namorados. Não que não tivesse o que celebrar, ao contrário. Estava namorando uma moça linda, culta, inteligente, de muita classe. E esse era exatamente o problema: muita classe. De família rica e refinada, a garota tinha gosto exigente. Certamente não se contentaria com presentinhos baratos, tipo um buquê de flores. Não, o presente teria de impressioná-la, mostrando a seriedade dos propósitos dele. E isso custaria caro.
Um ano antes, preços não seriam obstáculo; bem empregado, com um bom salário, ele podia gastar em sofisticados mimos. Mas agora, sem trabalho, vivia da poupança, esperando que a sorte melhorasse.
Às voltas com esse dilema, lembrou-se do Dia dos Namorados anterior. Tinha então outra namorada, a quem presenteara regiamente. O que, aliás, se revelara um tiro pela culatra. Dera à garota uma bolsa caríssima, de grife. Tão logo abrira o pacote, ela se mostrara desapontada: odiava aquele tipo de bolsa. Ele, por sua vez, irritara-se com aquela desconsideração. Seguira-se um amargo bate-boca, com mútua troca de acusações e pronto, no próprio Dia dos Namorados haviam rompido. E, desde então, não tinham mais se visto. Ela até dissera que ele poderia levar a bolsa de volta, mas ele, altaneiro, dissera que não, que presente era presente. Ela poderia fazer com a bolsa o que bem entendesse.
Uma coisa agora lhe ocorria, um raciocínio ao qual certamente não faltava a criatividade que, na vida empresarial e na vida amorosa, é igualmente importante. Quem sabe poderia fazer à ex-namorada uma proposta? Pediria a bolsa de volta (ou até a compraria, desde que por módico preço). Para a garota não faria diferença. Para ele, poderia ser a salvação: teria um belo presente para a namorada atual.
Ligou. Ela atendeu, surpresa (mas de maneira gentil, afável, até) e ele foi logo perguntando: você ainda tem a bolsa que eu lhe dei? Sim, ela tinha, ainda que não a usasse: guardava-a como recordação de um grande amor. Ele então disse que gostaria de fazer-lhe uma proposta. Poderiam marcar um encontro?
Marcaram um encontro no apartamento dela na véspera do Dia dos Namorados, o que se revelou simbólico, porque terminaram na cama, reconciliados e felizes.
Sim, a ruptura fora um erro, que eles agora corrigiam. Aproveitando a oportunidade, ela perguntou se poderia trocar a bolsa por alguma outra coisa, um vestido. Ele disse que sim, e acrescentou: "Será o meu presente deste ano".
A paixão pode custar caro, mas a criatividade sempre ajuda.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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