São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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DANUZA LEÃO

Lógica feminina

Somos todos justos, incapazes de uma mentira, os reis da ética. Ao mesmo tempo podemos ser falsos e enganar com a cara mais limpa do mundo, de forjar provas, de destruir indícios, desde que seja para defender os que mais amamos.
A nora telefona aos prantos dizendo que o marido (seu filho) foi visto entrando num motel com uma perua. Qual a mãe que nessa hora não jura, sobre a Bíblia e o Alcorão, que naquele exato momento ele, como filho exemplar, estava indo com ela ao hospital, para fazer uma radiografia da perna? E se for preciso engessa a perna, para dar mais veracidade ao fato. Falta de caráter? Não; apenas amor, quando todos os pecados são perdoados.
Qual a mãe que não jura à diretora da escola, olho no olho, que sua filha estava ardendo em febre no dia da prova? E ainda faz mais: traz um atestado médico, aliás vários, com todos os carimbos -médico amigo é para isso.
As religiões diriam que estão todas em pecado; as leis, que são todas criminosas, se arriscando a alguns anos de reclusão, essas bobagens. Mas a consciência dessa mãe está tranqüila: por amor, vale tudo.
As mulheres têm uma lógica própria e uma vocação irresistível para infringir as leis, não por desrespeito, mas por senso prático. Se não está prejudicando ninguém, qual o problema?
Uma mulher digna de pertencer ao sexo feminino é capaz de caluniar, difamar, até fazer uma denúncia falsa à Justiça, se alguma vadia ousar bater as pestanas para seu marido. Ela é capaz de sustentar qualquer mentira sem o menor pudor: afinal, mentiu para defender a família e o lar, causas muito justas e nobres.
Mulher é assim: se ela desconfiar que aquele jantar com um cliente não é bem assim, o mínimo que faz é, na hora dele sair, pingar uma gota de azeite bem no meio da gravata sem o menor remorso.
Se tiver uma ajuda, falsifica a identidade e o passaporte com a maior naturalidade. Afinal, quem não quer ter dez anos a menos? E está prejudicando alguém? Esse é o seu grande argumento, e temos que lhe dar razão: trocar um numerozinho do ano em que nasceu não mata ninguém, e qual juiz seria insensível a tal argumento? Afinal, dependendo da idade do namorado, chega a ser uma questão de sobrevivência.
E tem mais: sem o menor escrúpulo ela usa os filhos para confirmar todas as mentiras que disse, e ai de quem ousar dizer que ela está dando um péssimo exemplo. Nessa hora, com o brilho de um grande criminalista, ela defende a tese de que está ensinando seus filhos a lutar pelo que querem.
Mas vamos supor que dê tudo errado. O marido, com aquela lógica masculina insuportável, se horroriza; o médico recusa o atestado e a diretora do colégio fala em expulsar seu filho. Pior que tudo: é processada por falsidade ideológica e os jornais estampam sua verdadeira idade, olha o vexame.
Aí, só tem um jeito: continuar a fazer seu papel de mulher e chorar. No princípio, só com os olhos marejados; numa segunda fase, com o lencinho já na mão, para as lágrimas que vão brotar.
Ninguém vai resistir, nem mesmo o marido. Talvez a diretora do colégio perceba, mas só ela.
Que, como mulher, vai certamente entender.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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