São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN

Perto da incompetência, a corrupção é um mal menor

Das idéias lançadas neste ano para ajudar os próximos prefeitos apenas uma me chamou a atenção -e é de uma obviedade estrondosa.
Com base em sua experiência de ex-prefeito de uma cidade de porte médio (Ribeirão Preto), o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem defendido em conversas com prefeitos de regiões metropolitanas, especialmente das capitais, uma nova maneira de definir os investimentos.
Ele propõe que seja criado, nas regiões metropolitanas, um conselho de representantes dos governos federal, municipal e estadual. Esses três níveis de poder tratariam de acertar seus investimentos, buscando a integração entre eles na cidade. Haveria, por exemplo, apenas um investimento habitacional, que envolveria as três fontes de recursos. "Ganharíamos eficiência e economizaríamos dinheiro", sustenta.

 

O leitor imagina ser a crônica roubalheira, sempre estampada no noticiário, a principal fonte de desvio de recursos. Antes fosse assim. Não é. Os vazamentos ocorrem mesmo é na interrupção de programas, bem como na superposição e no conflito de investimentos dos diferentes níveis de ação pública.
Desculpe-me pela simplificação, mas o que temos hoje é mais ou menos o seguinte: todos numa casa, pai, mãe e filho, fazem as compras sem se entenderem previamente. A geladeira fica cheia de chocolate e queijos, mas sem verduras e carnes. Exagero?
 

Veja um caso recente. O governo federal lançou o programa de farmácias populares, chocando-se com o plano de distribuição gratuita de remédios do Sistema Único de Saúde. Em alguns dias, ofereceram-se nas farmácias remédios que não estavam disponíveis na rede pública de saúde.
O governo estadual também resolveu criar um programa de farmácias populares. Uma delas, segundo o plano, seria localizada no centro da cidade de São Paulo, perto da farmácia de Lula.
Além da suspeita de que o projeto de farmácias em si é um desperdício, já temos a sobreposição com projetos similares estaduais.
 

Pense como estaria muito melhor o transporte público numa cidade como São Paulo se os governos federal, estadual e municipal trabalhassem juntos e, em vez de abrirem espaço para automóveis, estivessem aumentando a rede de metrô.
Multiplique esse tumulto administrativo nas mais diversas atividades públicas e você sentirá ainda mais dor ao se lembrar de que quatro meses de seu salário são pagos apenas para sustentar o poder público.
Em cidades das regiões metropolitanas, com milhões de habitantes, é inútil imaginar que um prefeito tenha muito poder, ainda mais porque os Orçamentos estão, na melhor das hipóteses, apertados. A cidade de São Paulo, por exemplo, está quebrada. Não tem como pagar, no próximo ano, suas dívidas. O próximo prefeito terá, logo que eleito, de sair rastejando pelo Senado para conseguir mais prazo para o pagamento de dívidas.
 

Diante dos Orçamentos estrangulados, é natural que se busque aproveitar melhor todos os recursos disponíveis, evitando a trombada e a superposição de investimentos.
Acontecem -esparsamente, é claro- parcerias entre vários níveis de governo. Embora sejam tópicas, quando ocorrem, demonstram grande impacto.
Pode-se dizer que o município de São Paulo está montando um fértil modelo de programas de complementação de renda. Já se vêem resultados nos bairros mais pobres, até mesmo com o aumento do emprego e a redução da violência. O motivo da eficiência é simples: o programa é conduzido pela prefeitura, mas sustentado com verbas estaduais e federais, formando uma rede que envolve entidades comunitárias.
 

A proposta de Palocci é transformar a exceção em regra. É fácil falar, mas difícil fazer. Não só pelo despreparo das burocracias para trabalhar em rede mas porque os governantes querem, na maioria das vezes, deixar sua marca e aparecer sozinhos.
No caso das regiões metropolitanas, a operação é ainda mais complexa, já que, na prática, ocorre em uma única cidade, mas as decisões são tomadas separadamente. Até agora, os esforços pela criação de consórcios metropolitanos estão engatinhando.
 

Naturalmente, essas são operações complexas, que exigem nova visão de administração e até mudanças de marcos legais. Mas quem estiver disposto a discutir seriamente soluções comunitárias em vez de só ficar vendendo ilusões terá de passar por esse tipo de debate -árido, sem charme, mas indispensável.
 

PS - Eis um bom exemplo de falta de entrosamento: os governos estadual e municipal não conseguem se entender para despoluir o lago do parque Ibirapuera. Foi mostrado, na semana passada, que casas, muitas das quais de classe média e alta, jogam seus esgotos diretamente num córrego que alimenta o lago. Se é assim na cara de todos, num lugar tão valorizado por toda a população como é o parque Ibirapuera, imagine como será no resto da cidade.

E-mail - gdimen@uol.com.br


Texto Anterior: "Brasilidade" pode ser um obstáculo
Próximo Texto: Panorâmica - Rebelião: Presos fazem cinco reféns no Rio de Janeiro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.