São Paulo, terça-feira, 11 de agosto de 2009

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CECILIA GIANNETTI

Violência cenográfica


As más línguas abusam da ironia diante da última moda em medidas contra a violência: a "projaczação" do treino da PM

AS MÁS línguas -terríveis cassandras!- que paranoicamente têm atribuído, ao longo de mais de uma década, o aumento da violência no Rio de Janeiro à queda do comércio, entre outros prejuízos incalculáveis, já se sentem confortáveis ao abusar da ironia quando se referem à última moda em medidas contra o poder paralelo de traficantes e milicianos nas comunidades: a "projaczação" do treinamento da nossa Polícia Militar.
Como assim, "projaczação"? Ora, foi construída uma favela cenográfica de 1.800 m2 dentro de um Batalhão de Polícia Militar em Sulacap, bairro da zona oeste do Rio, visando a preparar no local, até 2010, cerca de 7.000 aspirantes para situações de conflito em áreas infiltradas pelo tráfico e milícias.
A Cidadela de Instrução, Sobrevivência e Direitos Humanos, que fica no CFAP (Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças), erguida qual cenário do Projac, será inaugurada no prazo de 15 dias como promessa de paz e segurança, lembrando talvez a fictícia favela da Portelinha, da telenovela global "Duas Caras", de 2007. A Portelinha -lembram?- não tinha infiltração da chamada bandidagem -embora por lá circulassem às vezes, em campanha, políticos de folhetim.
Mas não retomo hoje o assunto da coluna da outra semana, pois que, de olhos colloridos pela raiva no Senado, toda a mídia já se queixou repetidamente e em peso... Sem efeito. Engolimos e digerimos o "cala-te boca" e continuam a brilhar na TV em reprises e novos barracos os tais olhos de Kill Bill do ex-presidente e xingamentos mútuos de outros senadores. Por ora, então, deixemos de lado aquela guerrilha para nos concentrarmos na que se torna cada vez mais presente no Rio, com a instalação de UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) em cinco favelas cariocas.
Será que, fora dos estúdios de TV, dá para ser? A favela Tavares Bastos, no Catete, sede do Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM) desde 2000, já provou que não é sonhar alto demais. Na última quarta-feira (5), cerca de dez policiais participaram de uma simulação de confronto em Sulacap -as armas eram de paintball, brincadeira de criança e/ou nerd em que os tiros são de tinta. Um grupo de policiais fazia as vezes de criminosos (armados) e outro praticava táticas de abordagem, defesa e tiro com as mesmas armas de paintball. Aqui é concedida certa licença poética ao treinamento, porque às vezes as armas de bandidos e policiais são diferentes -as dos bandidos algumas vezes chegam a ser melhores.
Antes da inauguração oficial da nova área de treinamento da PM, serão instalados no cenário casebres com janelas e portas, que os policiais deverão aprender a revistar sem matar, no caso de moradores inocentes, e uma torre de onde será comandado o treinamento, que liberará efeitos de luz, fumaça e sons de tiros, em aulas diurnas e noturnas.
Segundo informou o comandante do CFAP, tenente-coronel Josiel Havani dos Santos, pela Subsecretaria de Comunicação do Estado do Rio de Janeiro, "o objetivo é qualificar e aperfeiçoar a atuação e reduzir falhas". Falhas essas que também conhecemos pela alcunha de vítimas sem culpa no cartório do bangue-bangue. "As próximas construções deverão simular creches, escolas e pontos de venda de entorpecentes, para que os policiais saibam lidar com diferentes situações e diferenciar criminosos de pessoas de bem, que são a maioria da população dessas comunidades", afirmou o tenente-coronel. Ah, bom.


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