São Paulo, terça-feira, 11 de setembro de 2007

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MARIA INÊS DOLCI

Ouvidoria ou "enroladoria"?


Ouvidores não podem ser ativistas políticos. Têm de defender os consumidores acima de qualquer interesse

O DESABAFO DA OUVIDORA da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) não causou muita comoção, em meio ao imbróglio do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do rescaldo da primeira rodada dos mensaleiros no Supremo Tribunal Federal.
Mas o que Alayde Avelar Freire Sant'Anna disse aos integrantes da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga o Apagão Aéreo deveria provocar, no mínimo, algumas reflexões sobre o respeito às manifestações dos cidadãos em relação ao serviço público brasileiro.
Alayde reclamou da "estrutura ineficiente" da Anac, e acrescentou que encontra dificuldades para ser, efetivamente, ouvida. Ora, o instituto da ouvidoria é fundamental para que o consumidor seja mais respeitado. Para que faça valer seus direitos, expressos no CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Lamentavelmente, enquanto se multiplicavam nos governos e nos órgãos a eles vinculados, as ouvidorias não tiveram igual sucesso na iniciativa privada, salvo honrosas exceções, como a desta Folha.
O aparelhamento do Estado brasileiro, promovido sem qualquer cerimônia nos últimos anos pelo governo federal, também chegou às ouvidorias. Profissionais que não eram atingidos por mudanças de comando político foram alvejados em busca de mais vagas para os aliados e correligionários.
Isso é um desserviço para com essa instituição tão respeitável, e tão necessária para todos nós.
Sem independência e autonomia, um(a) ouvidor(a) não é mais do que uma figura decorativa. É difícil acreditar que indicações políticas que removeram do cargo profissionais competentes e respeitados sejam acompanhadas de toda a liberdade que o cargo exige.
Ouvidores não podem ser ativistas políticos. Eles têm de defender o consumidor -no caso, os usuários dos serviços públicos- acima de qualquer interesse de origem político-partidária.
Empresas estatais, autarquias, ministérios são temporariamente ocupados por esse ou aquele partido. Não pertencem ao governante, e sim aos milhões que pagam impostos absurdos e crescentes. Se não há a garantia de que terão, do outro lado do balcão, ouvidores/ ombudsman qualificados para o cargo por sua experiência profissional e acadêmica, mas sim por sua fidelidade partidária, continuarão a ter de se "queixar para o bispo", como se dizia antigamente.
Um bom ouvidor é muito mais do que um receptor (e transmissor) da insatisfação do cliente. E mais também do que alguém que responde ao reclamante, ainda que com uma providência para resolver a tal reclamação. É, sem dúvida, um fator de melhoria da qualidade do serviço prestado, porque problemas freqüentes indicam necessidade de novas práticas.
Se a ouvidoria da Anac fosse ouvida, talvez a diretoria desta agência percebesse o caos aéreo além de suas implicações políticas. E resolvesse arregaçar as mangas para resolvê-lo, em lugar de se reunir para brigar e se acusar mutuamente, como ficou implícito no depoimento de Alayde Sant'Anna.

http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br/


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