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MARIA INÊS DOLCI
Ouvidoria ou "enroladoria"?
Ouvidores não podem ser ativistas políticos. Têm de defender os consumidores acima de qualquer interesse
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O DESABAFO DA OUVIDORA da
Anac (Agência Nacional de
Aviação Civil) não causou
muita comoção, em meio ao imbróglio do presidente do Senado, Renan
Calheiros, e do rescaldo da primeira
rodada dos mensaleiros no Supremo Tribunal Federal.
Mas o que Alayde Avelar Freire
Sant'Anna disse aos integrantes da
CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga o Apagão Aéreo deveria provocar, no mínimo, algumas reflexões sobre o respeito às
manifestações dos cidadãos em relação ao serviço público brasileiro.
Alayde reclamou da "estrutura
ineficiente" da Anac, e acrescentou
que encontra dificuldades para ser,
efetivamente, ouvida. Ora, o instituto da ouvidoria é fundamental para
que o consumidor seja mais respeitado. Para que faça valer seus direitos, expressos no CDC (Código de
Defesa do Consumidor).
Lamentavelmente, enquanto se
multiplicavam nos governos e nos
órgãos a eles vinculados, as ouvidorias não tiveram igual sucesso na iniciativa privada, salvo honrosas exceções, como a desta Folha.
O aparelhamento do Estado brasileiro, promovido sem qualquer
cerimônia nos últimos anos pelo
governo federal, também chegou
às ouvidorias. Profissionais que
não eram atingidos por mudanças
de comando político foram alvejados em busca de mais vagas para os
aliados e correligionários.
Isso é um desserviço para com
essa instituição tão respeitável, e
tão necessária para todos nós.
Sem independência e autonomia, um(a) ouvidor(a) não é mais
do que uma figura decorativa. É difícil acreditar que indicações políticas que removeram do cargo profissionais competentes e respeitados sejam acompanhadas de toda a
liberdade que o cargo exige.
Ouvidores não podem ser ativistas políticos. Eles têm de defender
o consumidor -no caso, os usuários dos serviços públicos- acima
de qualquer interesse de origem
político-partidária.
Empresas estatais, autarquias,
ministérios são temporariamente
ocupados por esse ou aquele partido. Não pertencem ao governante,
e sim aos milhões que pagam impostos absurdos e crescentes. Se
não há a garantia de que terão, do
outro lado do balcão, ouvidores/
ombudsman qualificados para o
cargo por sua experiência profissional e acadêmica, mas sim por
sua fidelidade partidária, continuarão a ter de se "queixar para o
bispo", como se dizia antigamente.
Um bom ouvidor é muito mais
do que um receptor (e transmissor) da insatisfação do cliente. E
mais também do que alguém que
responde ao reclamante, ainda que
com uma providência para resolver a tal reclamação. É, sem dúvida,
um fator de melhoria da qualidade
do serviço prestado, porque problemas freqüentes indicam necessidade de novas práticas.
Se a ouvidoria da Anac fosse ouvida, talvez a diretoria desta agência percebesse o caos aéreo além de
suas implicações políticas. E resolvesse arregaçar as mangas para resolvê-lo, em lugar de se reunir para
brigar e se acusar mutuamente, como ficou implícito no depoimento
de Alayde Sant'Anna.
http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br/
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