|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BALANÇA DESREGULADA
Para Claude Bouchard, que estuda o problema, é muito difícil reduzir sedentarismo e má alimentação
Ambiente leva à obesidade, diz especialista
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos mais conhecidos estudiosos da obesidade não deixa
transparecer otimismo ao falar de
um mundo com menos gente acima do peso.
Segundo o presidente da Associação Internacional para o Estudo da Obesidade, Claude Bouchard, as pessoas engordam por
sedentarismo e má alimentação.
Para o médico canadense, acabar com esse ambiente "obesogênico" é praticamente impossível.
Por isso, a solução para a epidemia será algum remédio que todos nós seremos obrigados a tomar para não engordar.
Bouchard esteve na semana
passada em São Paulo como o
principal conferencista do 27º
Simpósio Internacional de Ciências do Esporte e concedeu entrevista à Folha.
Folha - Por que a obesidade está
crescendo tanto no mundo?
Claude Bouchard - Isso começou
há uns 20 anos. Antes disso, havia
pessoas obesas em todo o mundo,
mas não era uma epidemia. E por
que é agora? Não sabemos. A
questão fundamental é que nós
vivemos num ambiente "obesogênico", que influencia o nosso
comportamento. Esse ambiente
nos compele a andar de carro, por
exemplo. Usamos o carro até para
ir à esquina comprar um litro de
leite. Há 50 anos, fazíamos isso a
pé. O que é mais atraente não é a
escada, é o elevador. E há a questão da alimentação. Os tipos de
comida têm se diversificado e ficado mais baratos, palatáveis e
disponíveis. Isso nos é empurrado pelo ambiente, pelos anúncios
na TV, por aquela história de que
comer é um lazer.
Folha - Como podemos mudar esse ambiente "obesogênico"?
Bouchard - Serão necessárias
medidas sobre-humanas para reverter isso. Não queremos retroceder nosso estilo de vida, não vamos abandonar o carro, não pretendemos subir 25 andares para
chegar ao escritório, gostamos da
nossa comida.
Existem várias pesquisas tentando descobrir o que há de errado conosco. Há 50 anos, praticamente todo mundo tinha um
equilíbrio energético. Nosso cérebro estava programado para consumir umas 3.000 calorias -é ele
que diz quando você já comeu o
suficiente. Mas se você é sedentário, precisa de 2.000 calorias, mas
ainda está programado para
aquelas 3.000 calorias.
Nós já começamos a entender
que é assim que a coisa funciona.
Mas "reprogramar" o cérebro, já é
outra história. Talvez a única coisa que possamos fazer seja tomar
um comprimido, algum remédio.
E isso é assustador, porque não há
nenhum sinal de que estejamos
preparados para comer menos ou
gastar mais calorias.
Folha - Qual o papel da genética?
Bouchard - A genética tem um
papel importante, mas não explica a atual epidemia. Há pessoas
mais vulneráveis que outras.
Aquelas cujo cérebro está programado para operar com menos
quantidade de energia estão em
risco, assim como as que armazenam calorias em vez de queimá-las estão em risco e aquelas cujas
células de gordura aumentam
com maior rapidez. Tudo isso é
geneticamente determinado.
Folha - As pessoas podem enfrentar a obesidade sozinhas?
Bouchard - Acho que a única solução seria haver uma reação global. Que todas os mercados internacionais, fábricas de alimentos,
ministérios concordassem que é
necessário trabalhar em conjunto
para pelo menos amenizar este
ambiente "obesogênico". Se não
houver esse trabalho global, uma
medida isolada não tem chances
de dar certo. Nós sabemos como
perder peso, nós temos tecnologia
para isso. Em três meses, você pode perder 10% do seu peso, mas
depois de um ano 75% das pessoas ganharam de novo aqueles
quilos porque o ambiente ao redor é "obesogênico".
Ou mudamos o ambiente ou tomamos comprimidos. Essas são
as duas soluções que eu consigo
ver no momento.
Folha - O senhor acha que os governos estão preocupados com esse problema?
Bouchard - Eles precisam estar,
porque senão será a falência do
sistema público de saúde. A obesidade está sempre acompanhada
de um grande número de casos de
diabetes, hipertensão, doenças
cardiovasculares, câncer.
Além disso, reduz a expectativa
de vida em cerca de sete anos.
Quando você junta tudo isso, é
uma receita para a catástrofe. A
próxima geração provavelmente
será a primeira a não ter um aumento na expectativa de vida, viverá menos que a atual.
Nos Estados Unidos, vários departamentos de Estado estão bastante envolvidos nisso. O investimento em pesquisa aumentou
muito. Querem fazer alguma coisa agora porque perceberam que
as conseqüências serão devastadoras, principalmente na questão
financeira. O tratamento da diabetes é muito caro.
Folha - O senhor poderia citar algum exemplo bem-sucedido de
combate à obesidade?
Bouchard - Infelizmente sei de
poucos bons exemplos. Existem
empresas que estão dando a seus
funcionários acesso a academias
de ginástica. Outras dão benefícios se eles não estiverem acima
do peso. Se são obesos ou fumantes, precisam pagar mais ao seguro. Mas são casos muito isolados.
Texto Anterior: Há 50 anos: Para Churchill, EUA protegem a Europa Próximo Texto: Frase Índice
|