São Paulo, segunda-feira, 11 de outubro de 2004

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BALANÇA DESREGULADA

Para Claude Bouchard, que estuda o problema, é muito difícil reduzir sedentarismo e má alimentação

Ambiente leva à obesidade, diz especialista

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos mais conhecidos estudiosos da obesidade não deixa transparecer otimismo ao falar de um mundo com menos gente acima do peso.
Segundo o presidente da Associação Internacional para o Estudo da Obesidade, Claude Bouchard, as pessoas engordam por sedentarismo e má alimentação.
Para o médico canadense, acabar com esse ambiente "obesogênico" é praticamente impossível. Por isso, a solução para a epidemia será algum remédio que todos nós seremos obrigados a tomar para não engordar.
Bouchard esteve na semana passada em São Paulo como o principal conferencista do 27º Simpósio Internacional de Ciências do Esporte e concedeu entrevista à Folha.

Folha - Por que a obesidade está crescendo tanto no mundo?
Claude Bouchard -
Isso começou há uns 20 anos. Antes disso, havia pessoas obesas em todo o mundo, mas não era uma epidemia. E por que é agora? Não sabemos. A questão fundamental é que nós vivemos num ambiente "obesogênico", que influencia o nosso comportamento. Esse ambiente nos compele a andar de carro, por exemplo. Usamos o carro até para ir à esquina comprar um litro de leite. Há 50 anos, fazíamos isso a pé. O que é mais atraente não é a escada, é o elevador. E há a questão da alimentação. Os tipos de comida têm se diversificado e ficado mais baratos, palatáveis e disponíveis. Isso nos é empurrado pelo ambiente, pelos anúncios na TV, por aquela história de que comer é um lazer.

Folha - Como podemos mudar esse ambiente "obesogênico"?
Bouchard -
Serão necessárias medidas sobre-humanas para reverter isso. Não queremos retroceder nosso estilo de vida, não vamos abandonar o carro, não pretendemos subir 25 andares para chegar ao escritório, gostamos da nossa comida.
Existem várias pesquisas tentando descobrir o que há de errado conosco. Há 50 anos, praticamente todo mundo tinha um equilíbrio energético. Nosso cérebro estava programado para consumir umas 3.000 calorias -é ele que diz quando você já comeu o suficiente. Mas se você é sedentário, precisa de 2.000 calorias, mas ainda está programado para aquelas 3.000 calorias.
Nós já começamos a entender que é assim que a coisa funciona. Mas "reprogramar" o cérebro, já é outra história. Talvez a única coisa que possamos fazer seja tomar um comprimido, algum remédio. E isso é assustador, porque não há nenhum sinal de que estejamos preparados para comer menos ou gastar mais calorias.

Folha - Qual o papel da genética?
Bouchard -
A genética tem um papel importante, mas não explica a atual epidemia. Há pessoas mais vulneráveis que outras. Aquelas cujo cérebro está programado para operar com menos quantidade de energia estão em risco, assim como as que armazenam calorias em vez de queimá-las estão em risco e aquelas cujas células de gordura aumentam com maior rapidez. Tudo isso é geneticamente determinado.

Folha - As pessoas podem enfrentar a obesidade sozinhas?
Bouchard -
Acho que a única solução seria haver uma reação global. Que todas os mercados internacionais, fábricas de alimentos, ministérios concordassem que é necessário trabalhar em conjunto para pelo menos amenizar este ambiente "obesogênico". Se não houver esse trabalho global, uma medida isolada não tem chances de dar certo. Nós sabemos como perder peso, nós temos tecnologia para isso. Em três meses, você pode perder 10% do seu peso, mas depois de um ano 75% das pessoas ganharam de novo aqueles quilos porque o ambiente ao redor é "obesogênico".
Ou mudamos o ambiente ou tomamos comprimidos. Essas são as duas soluções que eu consigo ver no momento.

Folha - O senhor acha que os governos estão preocupados com esse problema?
Bouchard -
Eles precisam estar, porque senão será a falência do sistema público de saúde. A obesidade está sempre acompanhada de um grande número de casos de diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, câncer.
Além disso, reduz a expectativa de vida em cerca de sete anos. Quando você junta tudo isso, é uma receita para a catástrofe. A próxima geração provavelmente será a primeira a não ter um aumento na expectativa de vida, viverá menos que a atual.
Nos Estados Unidos, vários departamentos de Estado estão bastante envolvidos nisso. O investimento em pesquisa aumentou muito. Querem fazer alguma coisa agora porque perceberam que as conseqüências serão devastadoras, principalmente na questão financeira. O tratamento da diabetes é muito caro.

Folha - O senhor poderia citar algum exemplo bem-sucedido de combate à obesidade?
Bouchard -
Infelizmente sei de poucos bons exemplos. Existem empresas que estão dando a seus funcionários acesso a academias de ginástica. Outras dão benefícios se eles não estiverem acima do peso. Se são obesos ou fumantes, precisam pagar mais ao seguro. Mas são casos muito isolados.

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