São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2008

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Projeto espalha pianos por SP para quem quiser tocar

"Toque-me, sou teu", programa do Sesc, deixa disponível para a população 8 instrumentos, 24 horas por dia, até o próximo sábado

Aposentada saiu de Itaquera até o Páteo do Colégio só para conhecer um "piano de verdade"

Maria do Carmo/Folha Imagem
A mineira Maria José Rossi toca no Páteo do Colégio; ela diz ter nascido pianista por tocar o instrumento sem nunca ter estudado

OCIMARA BALMANT
DA REVISTA DA FOLHA

Juliano Lemos, 23, chegou quinta-feira de Cascavel (PR) para trabalhar como vendedor ambulante de produtos naturais. Ontem, em seu primeiro dia em São Paulo, desistiu das vendas. Havia um piano no meio do caminho, na calçada do Páteo do Colégio, no centro. "Sabia que havia muita coisa nesta cidade, mas nunca imaginei que tinha até piano na rua", conta ele, sentado tal qual pianista e tentando dedilhar sua música preferida, "Imagine"", de John Lennon.
O piano que Juliano encontrou é um dos oito que estarão espalhados pela capital paulista, 24 horas por dia, até o próximo sábado. Com o nome de "Toque-me, sou teu", esta é uma das intervenções da "Mostra Sesc de Artes 2008". E tem dado o que falar. E tocar também.
A aposentada Sebastiana de Jesus, 78, saiu de Itaquera, zona leste, só para conhecer as teclas de um "piano de verdade". "Sempre mexo no teclado do meu neto. Mas quero aprender a tocar neste bichinho aqui", diz. E ela ensaiou para o show. Passou a quinta treinando e antes das 11h de ontem estreou com direito a público e aplausos. Seu repertório é de uma única música, "O Bife", também famosa como jingle do danoninho ("me dá, me dá, me dá, me dá danoninho..."), que ela consegue executar apenas com a mão direita.
Mas rapidinho ela ganhou o acompanhamento profissional da pianista Marisa Klinkae, 41, que passava por acaso pela região. "A bola procura o craque", brincou, enquanto acompanhava Sebastiana em sua primeira aventura musical.
Quando a música acabou, a aposentada já queria contratar aulas particulares. Marisa agradeceu e "apossou-se" da banqueta. Emendou uma apresentação à outra e quando tocou a popular "Menino da Porteira", famosa na voz de Sérgio Reis, se viu acompanhada por um coral de cerca de 30 vozes.

"A do gás"
Não havia pianista que resistisse. Acostumado a circular entre as dezenas de pianos do campus da Unesp, no Ipiranga, zona sul, onde cursa o bacharelado em música, Andrei Pressei, 21, nunca havia feito um concerto para um público tão participativo.
Rodeado de ambulantes, garis, estudantes e profissionais que saíam para o almoço, Andrei parou, literalmente, o trânsito com "Brasileirinho", de Waldir Azevedo. Quem estava de carro dava uma desacelerada. Os passageiros dos ônibus não tinham nenhuma pressa de que o semáforo abrisse.
Com tantos ouvintes, os pedidos vinham de todos os lados, e Andrei não escapou da música clássica mais popular entre os brasileiros. "Toca a música do gás", sugeriu um. "Isso mesmo", acrescentou outro. Pronto, Beethoven e sua "Pour Elise" ganharam uma interpretação bem mais afinada do que a comumente escutada pelas ruas paulistanas.
Na saída, além dos aplausos, Andrei conseguiu fãs. "Pedi o número do telefone dele porque quero saber onde posso vê-lo tocar", afirmou o pintor Paulo Claudiano, 40.

"Aquela taranranran..."
De profissionais e amadores, o piano, um pouco desafinado para o gosto de Andrei, não ficou um minuto sem pianista. Cada pessoa que se sentava na banqueta ao menos uma marchinha sabia executar. Uns aprenderam com as avós, outros na escola, e alguns não passavam do clássico "do-ré-mi-fá", com os dedos trêmulos de emoção ou de nervoso.
Até que chegou Maria José Rossi, 69, que jura ter nascido pianista. "Dizem que isso não existe, mas aconteceu comigo. Nasci com os dedos no piano."
Desde os quatro anos de idade, a mineira descobriu o instrumento e não largou mais dele. Fez apresentação em rádio, tocou em programa de auditório e só parou de investir na carreira artística porque o marido não aprovou a idéia. E tudo sem nunca ter estudado.
"Meu pai queria que eu fosse ao conservatório, mas eu odeio estudar. Toco tudo sem partitura, mal leio a clave de sol", afirma.
Quem vê não acredita. Maria José passeia os dedos entre bemóis e sustenidos (teclas pretas do teclado do piano) e toca com precisão os acordes dissonantes de "Garota de Ipanema" e "Wave", clássicos da bossa nova.
Ao fim de cada música, ela perguntava o que o público queria ouvir. E aí vale até cantarolar um pedacinho da melodia. "Toca aquela taranranran...", pede um. Ela pensa um pouquinho e descobre: "Ah, já sei, "Balada para Adeline", do Richard Clayderman".

Lugar certo
Com bolsa a tiracolo, atendia os pedidos. Sugeria outras canções e seguia ali, lembrando de sua infância e de sua juventude. Às vezes passava um ou outro carrancudo, talvez achando aquilo uma grande perda de tempo. Maria José não concorda, e o público comemora.
"O mais importante é este momento de arte e prazer que a senhora nos proporciona", agradece Juliano, o vendedor que chegou do Paraná. Ele, pelo jeito, só vai engatar suas vendas depois do fim da mostra. E por pouco tempo. "Meu sonho é ter uma banda de música. E só de ver este piano já acho que vim para o lugar certo."


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