São Paulo, sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Samba de uma letra só

ESTÊVÃO BERTONI
DA REPORTAGEM LOCAL

O "flashback" carnavalesco é um evento anual que atinge parte dos foliões. Desencadeado pelos sambas-enredos entoados pelos quatro cantos, o fenômeno causa a sensação de "eu já conheço essa letra".
O ápice do déjà vu tem início às 23h15 de hoje, quando as escolas do grupo especial do Carnaval de SP entram no Anhembi, com transmissão televisiva.
A explicação para isso é simples: a repetição de palavras, expressões e ideias na trilha sonora dos desfiles é tão comum que, se a MPB já teve seu samba de uma nota só, assinado por Tom Jobim, a festa paulistana parece ter um único samba.
Por exemplo: em dez anos de Carnaval em SP, quase 70% do sambas usaram a palavra "amor", campeã com 138 aparições nas 144 músicas analisadas pela Folha -em alguns casos, surge mais de uma vez numa letra. Anualmente, é a palavra que mais aparece, mas já foi desbancada: em 2007, perdeu para "mundo" e, em 2004, para "São Paulo", por conta do aniversário de 450 anos da cidade.
A segunda posição fica com "coração", seguida de "Carnaval", "vida", "mundo", "Brasil" e "samba". Também são muito frequentes os verbos "vem" e "sou", que a Tom Maior vai usar cinco vezes só neste ano.
Isoladamente, entretanto, algumas escolas são campeãs em citar o próprio nome. A Vai-Vai, por exemplo, que desfila hoje, fez isso 11 vezes, de 2001 para cá -o samba que será cantado hoje está na conta.
Já a Leandro de Itaquera, que não esteve no grupo especial em 2007 e 2008, tem "vida" como a palavra mais usada.
Uma pista para as repetições vem dos próprios autores. Segundo Fabinho Simpatia, presidente da ala dos compositores da Tucuruvi, é comum que um único autor faça sambas para várias escolas no mesmo Carnaval. E diz que muitos possuem vícios de linguagem.
O compositor Maradona, que já emplacou 122 sambas e que costuma compor em parceria com mais quatro amigos, tem participação em três sambas-enredos deste ano: da Tom Maior, sua escola, da Leandro de Itaquera e da Mocidade.
Ele diz que cada escola exige um estilo de samba. Para uma como a Gaviões da Fiel, ligada ao futebol, a música tem que se aproximar dos gritos das torcidas. Ele, que reconhece que os sambas estão ficando repetitivos, inclusive na melodia, afirma que o uso de "amor" está na necessidade de a escola contagiar seus integrantes para obter um bom desempenho.
O compositor Zeca do Cavaco, da Vai-Vai, não aprova o fato de um autor fazer músicas para várias escolas. Segundo ele, um compositor tem que botar toda inspiração a favor de uma escola. Ele diz não saber como alguém pode fazer isso com várias ao mesmo tempo.
Para o músico Paulinho da Viola, o Carnaval tem dado prioridade só ao visual e deixa as composições em segundo plano. Osvaldinho da Cuíca, campeão três vezes pela Vai-Vai, diz o mesmo que Paulinho e acrescenta: falta criatividade.


Texto Anterior: Telefonia: Anatel reforça veto a torpedo de operadora
Próximo Texto: Desfiles de escolas paulistanas homenageiam cidades do Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.