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LETRAS JURÍDICAS
"Monkey: look back at your tail"
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Volta e meia os meios de
comunicação reproduzem
críticas feitas nos Estados Unidos
a respeito de coisas da realidade
brasileira. Encaro a divulgação
com ironia, pois se há provérbio
que os norte-americanos não sigam é aquele que, em inglês macarrônico, reproduzi no título:
"macaco, olha o teu rabo". O brasileiro, porém, tem a mania de dizer das coisas que "só acontecem
no Brasil". Uma delas é o do favorecimento dos ricos e poderosos
no Judiciário, como se fosse (mas
não é) privativo da nossa estrutura semifalida de punir delinqüentes. É o primeiro assunto desta
anotação.
Na semana passada, a empresária Martha Stewart, rica e loira
celebridade americana da televisão, obteve liberdade, depois de
cinco meses presa. "Ah, dirá um
dos nossos colonizados, mas lá,
pelo menos, ela foi presa!". Acusada de prejudicar acionistas pelo
uso de informação privilegiada
(ela presidia a empresa envolvida), Martha terminou condenada a pena brandíssima, por ter
mentido ao investigador federal.
Agora passou à prisão domiciliar
por mais cinco meses. A libertação ocorreu no começo da madrugada (para evitar curiosos),
com um buquê de rosas (oferta de
fã). Partiu veloz para o aeroporto
em Alderson, na Virginia, onde
um jato particular a aguardava.
A celebridade, em si mesma, e
seus vínculos com o direito dão o
segundo assunto.
Martha distribuiu cuidadosa
nota à imprensa, largamente divulgada. Logo estará protagonizando programas de televisão,
mas terá de usar bracelete eletrônico que lhe será colocado para o
controle de seus movimentos, nas
saídas de 48 horas por semana. O
bracelete é o terceiro tema: o policial encarregado de o colocar já
terá marcado hora, para cumprir
a tarefa, em domicílio, na mansão dela. Nem o mais ingênuo dos
fãs acreditará que o tratamento
para todos seja igual a esse.
Começando pelo fim. Muitos estudiosos entre nós são contrários
ao uso de tais aparatos eletrônicos ou de procedimentos químicos, criados pela ciência para o
controle dos condenados. A transformação é irresistível: hoje, pessoas temerosas do seqüestro, instalam um chip, sob a pele, para
terem seus caminhos monitorados. O bracelete gerará economia
e segurança, pois um computador
gravará as andanças do condenado e automaticamente assinalará
cada momento em que saia da
área onde seu deslocamento é autorizado. Será inevitável no futuro, em particular para reincidentes de delitos violentos, alguma
forma de tratamento químico ou
eletrônico que os reduza à imobilidade, se conveniente.
Quando Cesare Beccaria, doutor em leis pela universidade de
Pavia, escreveu "Dos delitos e das
penas", publicado em 1764, deu
início à ciência penitenciária moderna. Hoje, a transformação começada por ele foi esgotada. É
inútil falar em humanização das
prisões. A nova revolução surgirá
com a eletrônica, entre outras
ciências. A acumulação de delinqüentes em celas superlotadas
(ou mesmo não lotadas) está superada. Tende a aprimorar a capacidade delituosa do preso.
O tratamento privilegiado dos
ricos, poderosos e das celebridades é reprovável e inconstitucional. Mas não sejamos cegos. Nunca, em lugar nenhum se evitou
definitivamente a proteção para
alguns afortunados, poderosos ou
célebres. Na fase pós-Beccaria,
quando soluções científicas diminuírem o recolhimento à prisão,
pobres e ricos, sendo condenados,
ficarão em situações relativamente próximas. Já será um progresso.
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