São Paulo, sábado, 12 de março de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

"Monkey: look back at your tail"

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Volta e meia os meios de comunicação reproduzem críticas feitas nos Estados Unidos a respeito de coisas da realidade brasileira. Encaro a divulgação com ironia, pois se há provérbio que os norte-americanos não sigam é aquele que, em inglês macarrônico, reproduzi no título: "macaco, olha o teu rabo". O brasileiro, porém, tem a mania de dizer das coisas que "só acontecem no Brasil". Uma delas é o do favorecimento dos ricos e poderosos no Judiciário, como se fosse (mas não é) privativo da nossa estrutura semifalida de punir delinqüentes. É o primeiro assunto desta anotação.
Na semana passada, a empresária Martha Stewart, rica e loira celebridade americana da televisão, obteve liberdade, depois de cinco meses presa. "Ah, dirá um dos nossos colonizados, mas lá, pelo menos, ela foi presa!". Acusada de prejudicar acionistas pelo uso de informação privilegiada (ela presidia a empresa envolvida), Martha terminou condenada a pena brandíssima, por ter mentido ao investigador federal. Agora passou à prisão domiciliar por mais cinco meses. A libertação ocorreu no começo da madrugada (para evitar curiosos), com um buquê de rosas (oferta de fã). Partiu veloz para o aeroporto em Alderson, na Virginia, onde um jato particular a aguardava. A celebridade, em si mesma, e seus vínculos com o direito dão o segundo assunto.
Martha distribuiu cuidadosa nota à imprensa, largamente divulgada. Logo estará protagonizando programas de televisão, mas terá de usar bracelete eletrônico que lhe será colocado para o controle de seus movimentos, nas saídas de 48 horas por semana. O bracelete é o terceiro tema: o policial encarregado de o colocar já terá marcado hora, para cumprir a tarefa, em domicílio, na mansão dela. Nem o mais ingênuo dos fãs acreditará que o tratamento para todos seja igual a esse.
Começando pelo fim. Muitos estudiosos entre nós são contrários ao uso de tais aparatos eletrônicos ou de procedimentos químicos, criados pela ciência para o controle dos condenados. A transformação é irresistível: hoje, pessoas temerosas do seqüestro, instalam um chip, sob a pele, para terem seus caminhos monitorados. O bracelete gerará economia e segurança, pois um computador gravará as andanças do condenado e automaticamente assinalará cada momento em que saia da área onde seu deslocamento é autorizado. Será inevitável no futuro, em particular para reincidentes de delitos violentos, alguma forma de tratamento químico ou eletrônico que os reduza à imobilidade, se conveniente.
Quando Cesare Beccaria, doutor em leis pela universidade de Pavia, escreveu "Dos delitos e das penas", publicado em 1764, deu início à ciência penitenciária moderna. Hoje, a transformação começada por ele foi esgotada. É inútil falar em humanização das prisões. A nova revolução surgirá com a eletrônica, entre outras ciências. A acumulação de delinqüentes em celas superlotadas (ou mesmo não lotadas) está superada. Tende a aprimorar a capacidade delituosa do preso.
O tratamento privilegiado dos ricos, poderosos e das celebridades é reprovável e inconstitucional. Mas não sejamos cegos. Nunca, em lugar nenhum se evitou definitivamente a proteção para alguns afortunados, poderosos ou célebres. Na fase pós-Beccaria, quando soluções científicas diminuírem o recolhimento à prisão, pobres e ricos, sendo condenados, ficarão em situações relativamente próximas. Já será um progresso.


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