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INCULTA & BELA
Alguém "reavê" algo?
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
De vez em quando, aparecem nos jornais formas verbais como "reavê", "precavenha", "adequa" etc.
Quando começam a falar, as
crianças costumam regularizar os verbos, por analogia:
"Eu fazi", "Eu não consego",
"Eu podo", "Eu não sabo" etc.
O que isso significa? Que a
criança tem raciocínio associativo e processa modelos.
Um belo dia, a criança cresce e descobre que nem todos
os verbos são regulares. Ou
porque um adulto ensina, ou
porque incorpora o que ouve,
adota conjugações da norma
gramatical vigente: " fiz",
"consigo", "posso", "sei".
Verbos que não seguem o
modelo básico de conjugação
são considerados irregulares.
Há também verbos que simplesmente deixam de ser conjugados em certas formas.
Como se conjuga o presente
de "abolir"? "Eu abulo?" "Eu
abolo?" E "demolir"? "Eu demulo?" "Eu demolo?" Por não
serem usadas, essas formas
verbais não encontram registro e não devem ser empregadas no padrão culto.
O que fazer? Substituir por
formas equivalentes. Em vez
de "abulo/abolo", "elimino",
"extingo", "suprimo".
Verbos de conjugação incompleta são defectivos. E são
muitos: explodir, colorir, adequar, reaver, precaver, demolir, falir, feder etc.
Formam basicamente dois
grupos. Num, ficam os que, no
presente do indicativo, só não
são conjugados na primeira
do singular (explodir, colorir,
demolir, extorquir etc.).
No outro grupo, ficam os
que não são conjugados na
primeira, segunda e terceira
do singular e na terceira do
plural (adequar, precaver,
reaver, falir etc.).
Então não existe "eu expludo", "eu explodo"? Dicionários e gramáticas dizem que
não. Assim como dizem que se
evitam frases como "O projeto
não se adequa", "A população se precavê/precavém",
"Ele sempre reavê o que perde", "Desse jeito a firma fale".
Consideradas erradas, essas
formas surgem do mesmo processo que leva as crianças a
regularizar a conjugação verbal. No padrão formal, substitua-as por "adapta", "previne", "recupera", "vai à falência", respectivamente.
Deve-se lembrar que nos
pretéritos e nos futuros a conjugação é completa.
Não posso dizer aos leitores
que o uso de "adequa" ou
"reavê" é correto. O uso dessas formas no dia-a-dia ou em
textos comerciais não é suficiente para que tenham crédito no padrão culto.
Até prova em contrário, o
que autoriza ou desautoriza o
uso de determinadas formas
em textos cultos são as gramáticas e os dicionários mais
conceituados. É nisso que um
candidato a uma vaga na
USP ou na Unicamp se baseia
quando estuda para essas
provas. No manual do candidato está escrito que a prova
de português exige do aluno o
domínio da língua culta.
Em 96, escrevi na Folha um
texto elogiando a Unicamp e
a Unesp e criticando duramente a Fuvest pelo padrão
linguístico dos respectivos
manuais. Além de muitos erros -sobretudo de concordância-, a Fuvest apresentou uma pérola, no programa
da prova de redação: "...se o
texto se adequa...".
No manual seguinte, felizmente, a Fuvest substituiu
"adequa" por "é adequado".
Volto aos verbos defectivos
na próxima coluna.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail:inculta@uol.com.br
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