São Paulo, domingo, 12 de abril de 2009

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GILBERTO DIMENSTEIN

Grandes engenheiros das pequenas obras


Por trás da química entre Stravinsky e a periferia está uma das tendências políticas mais interessantes do Brasil


NEM REMOTAMENTE passaria pela cabeça do compositor russo Igor Stravinsky que, ao fazer o balé Petrouchka, fosse ajudar a ensinar, cem anos depois, estudantes de escolas públicas da periferia de São Paulo a desenvolver o prazer em ler e escrever.
Divididos em grupo, 1.200 crianças e adolescentes foram convidados a adaptar a obra de Stravinsky, usando ingredientes de sua realidade -o balé tem como cenário São Petersburgo durante o Carnaval. Além de mergulhar na universalidade dos personagens, eles precisaram conhecer e documentar o que acontecia em seu bairro, além de refletirem sobre suas próprias vidas.
Suas escolas informaram que, com essa experiência, acabaram desenvolvendo habilidade com a língua portuguesa -a importância desse efeito pode ser medida com a divulgação, na quarta passada, dos resultados das provas de português da rede estadual paulista, mostrando, mais uma vez, que a maioria dos estudantes não entende o que lê. E, muito menos, escreve direito.
Por trás dessa química entre Stravinsky, São Petersburgo e periferia está uma das tendências políticas mais interessantes do Brasil -muito diferente da política tradicional.

 


O balé é um programa da Fábrica de Cultura (parceria do BID com a Secretaria Estadual da Cultura), que implementa centros de artes na periferia. O bairro e seus moradores são envolvidos em projetos de música, dança, teatro, literatura e circo.
No ano passado, foram encenadas dez diferentes versões de Petrouchka, cada qual com um sabor local e com a história real de seus atores; a experiência neste ano será sobre a obra de Villa-Lobos.
A tendência que se vê pipocar em diversas cidades brasileiras é um acúmulo de pequenas soluções, bairro a bairro, rua a rua -e, por serem microscópicas, passam despercebidas, mas, no conjunto, apresentam uma solução grande.
 


Para enfrentar a violência em suas regiões conflagradas, a Prefeitura do Rio está criando a figura da mãe comunitária. Três mães por escola serão contratadas para fazer a ponte das famílias com a escola e terão apoio de um professor comunitário -um professor que more na vizinhança.
São algumas das peças para transformar, nessas localidades, a comunidade numa extensão da escola e para que se possa oferecer ensino em tempo integral. Experiência semelhante ocorre em Belo Horizonte, onde professores articulam o uso de espaços públicos para que universitários ensinem estudantes da rede municipal. O MEC está levando esse modelo a 45 regiões metropolitanas.
Em São Paulo, estão tentando reabilitar os 400 clubes municipais, a maioria deles com baixo uso, para serem uma continuidade das escolas. Na semana passada, uma fundação da Poli (Vanzolini), da USP, especializada em gestão, começava a articular o treinamento, em cada clube-escola, de um gestor capaz de montar redes -a fundação desenvolveu um curso chamado "engenharia comunitária". Foi na cidade, aliás, que um movimento levou a prefeitura a se comprometer com metas claras, divulgadas neste mês, traduzindo em números as promessas de campanhas.
Na semana passada, em São Paulo, a direção do Sesc começava a discutir como mesclar toda a sua programação cultural ao currículo da rede pública -e também formar professores que saibam tirar proveito de exposições e peças de teatros.
 


Em São Paulo e no Rio, 123 comunidades, todas das regiões mais pobres, estão se organizando para montar um programa de engenharia comunitária, assessorados pelo Unicef. Serão treinadas para desenvolver habilidades de gestão para articular projetos cujo foco são os direitos das crianças e dos adolescentes. Haverá um treino especial para que os próprios adolescentes sejam mobilizadores -em São Paulo, há uma possibilidade de que ganhem uma bolsa do poder público.
A ideia é que saibam perceber todas as potencialidades de seu bairro, conhecer as diversas ações públicas e tirar proveito delas, o que exige saber não só reivindicar, mas trabalhar em parceria com os governos.
 


Em quase todas as cidades que visito, conheço uma experiência de pequenos engenheiros de grandes obras. A tendência que vem ocorrendo é motivada pela convicção de que aí estão as melhores soluções locais, virando o Brasil de cabeça para baixo, sem esperar tanto de Brasília -onde, aliás, uma das últimas polêmicas é sobre se deveriam realizar um plebiscito para discutir o fechamento do Congresso. Só a polêmica já revela o grau de deterioração dos costumes.
Com os engenheiros de pequenas obras, a política ganha um sentido mais próximo e eficaz. E até se consegue usar a complexidade de Stravinsky e uma praça de São Petersburgo, do século 19, para estimular o prazer de aprender em crianças da periferia do Brasil do século 21.
 


PS - Por falar em escolas e soluções locais, foi aprovada em primeiro turno, na semana passada, na Câmara Municipal de São Paulo, uma pequena grande ideia -se for replicada em todo o Brasil, será uma grande solução. O vereador Carlos Bezerra quer obrigar o poder público a instalar uma linha direta para as famílias apontarem problemas em cada escola -a ideia é que cada escola tenha um telefone, desses usados nos caixas automáticos de bancos, além de um canal de internet.

gdimen@uol.com.br


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