São Paulo, segunda-feira, 12 de maio de 2008

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MOACYR SCLIAR

Entre o padrão e a pobreza


Standard dizia que o Brasil é violento e que em breve os capitais fugiriam. Violência há em toda parte, diz Poors

 O Brasil recebeu da agência de classificação de risco Standard & Poors uma melhora em sua nota e passou a pertencer à categoria de "investment grade" (grau de investimento). A nota é concedida aos países considerados como mais seguros para investir. Pertencer a essa categoria torna o Brasil mais atrativo ao capital externo. Dessa forma, a expectativa é que a Bolsa receba mais recursos do exterior. Dinheiro, 6 de maio de 2008

A DECISÃO SOBRE a classificação do risco de investimento de um país é basicamente tomada por dois senhores, o Standard e o Poors.
Standard, como o nome está dizendo, é absolutamente Padrão, com P maiúsculo: um cavaleiro elegante, sempre de terno e gravata, que, se pudesse, usaria monóculo e cartola. Já Poors, como o nome igualmente o diz, é mais do time dos pobres: veste-se modestamente, usa um casaco fora de moda já puído nos cotovelos, uma camisa com o colarinho gasto, sapatos antigos.
A maioria dos países que ambos tratam de avaliar pertence àquilo que antes era chamado de Terceiro Mundo: países com um passado de carência e até de miséria, mas que, tendo progredido, querem agora seu lugar ao sol, ao quente e radioso sol do capital internacional.
E, nesta avaliação, seguem um roteiro de há muito pré-estabelecido. Standard, ao contrário do que diz seu nome, tenta provar que o país candidato ainda faz parte dos pobres; ao passo que Poors, também ao contrário do que diz seu nome, tenta provar que o país candidato já entrou no padrão dos ricos, que tem uma economia estável, moeda forte e um futuro radioso.
No caso do Brasil, a discussão foi longa e complexa. Standard sustentava que, apesar das aparências, o país continua pobre, que sua riqueza é só aparente e mal-distribuída.
Poors argumentava com o impressionante aumento da produção e com o aumento da renda per capita. Standard dizia que o Brasil é um país violento e que em breve os capitais, assustados, fugiriam dali. Poors dizia que violência existe em toda parte e que capitais e violência não se excluem, como prova o lucrativo comércio internacional de armas.
Poors dizia que setores da economia nacional tinham crescido vertiginosamente, e citava o exemplo da produção de automóveis; mas de que adianta ter automóveis em abundância, perguntava Standard, não sem certa ironia, se as ruas e estradas do país não dão vazão ao fluxo de veículos e se o congestionamento é a regra?
Além disso, dizia Standard, o Brasil não se livrou de muitos dos antigos problemas: o caso da dengue, por exemplo. E os países ricos, rebatia Poors, já se livraram das doenças, das doenças da abundância?
A discussão prosseguiu por horas a fio. Alguém tinha que ceder e no fim quem o fez foi Standard. Declarou que os argumentos de Poors lhe pareciam razoáveis e que encontravam amparo nos complicados cálculos econométricos que seus assistentes tinham feito. Já os céticos (que não faltam, em economia) acham que Standard foi vencido pelo cansaço: a teimosia dos pobres é bem conhecida.
O certo é que o país agora é BBB.
Qualquer semelhança com Big Brother Brasil é mera coincidência.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


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