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MOACYR SCLIAR
Entre o padrão e a pobreza
Standard dizia que o Brasil é violento e que em breve os capitais fugiriam. Violência há em toda parte, diz Poors
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O Brasil recebeu da agência de classificação de risco Standard & Poors uma melhora em sua nota e passou a pertencer à
categoria de "investment grade" (grau de investimento). A nota é concedida aos
países considerados como mais seguros para investir. Pertencer a essa categoria
torna o Brasil mais atrativo ao capital externo. Dessa forma, a expectativa é que a
Bolsa receba mais recursos do exterior. Dinheiro, 6 de maio de 2008
A DECISÃO SOBRE a classificação
do risco de investimento
de um país é basicamente tomada por dois senhores, o Standard
e o Poors.
Standard, como o nome está dizendo, é absolutamente Padrão,
com P maiúsculo: um cavaleiro elegante, sempre de terno e gravata,
que, se pudesse, usaria monóculo e
cartola. Já Poors, como o nome
igualmente o diz, é mais do time dos
pobres: veste-se modestamente, usa
um casaco fora de moda já puído nos
cotovelos, uma camisa com o colarinho gasto, sapatos antigos.
A maioria dos países que ambos
tratam de avaliar pertence àquilo
que antes era chamado de Terceiro
Mundo: países com um passado de
carência e até de miséria, mas que,
tendo progredido, querem agora seu
lugar ao sol, ao quente e radioso sol
do capital internacional.
E, nesta avaliação, seguem um roteiro de há muito pré-estabelecido.
Standard, ao contrário do que diz
seu nome, tenta provar que o país
candidato ainda faz parte dos pobres; ao passo que Poors, também ao
contrário do que diz seu nome, tenta
provar que o país candidato já entrou no padrão dos ricos, que tem
uma economia estável, moeda forte
e um futuro radioso.
No caso do Brasil, a discussão foi
longa e complexa. Standard sustentava que, apesar das aparências, o
país continua pobre, que sua riqueza
é só aparente e mal-distribuída.
Poors argumentava com o impressionante aumento da produção e
com o aumento da renda per capita.
Standard dizia que o Brasil é um país
violento e que em breve os capitais,
assustados, fugiriam dali. Poors dizia que violência existe em toda parte e que capitais e violência não se excluem, como prova o lucrativo comércio internacional de armas.
Poors dizia que setores da economia nacional tinham crescido vertiginosamente, e citava o exemplo da
produção de automóveis; mas de
que adianta ter automóveis em
abundância, perguntava Standard,
não sem certa ironia, se as ruas e estradas do país não dão vazão ao fluxo
de veículos e se o congestionamento
é a regra?
Além disso, dizia Standard, o Brasil não se livrou de muitos dos antigos problemas: o caso da dengue,
por exemplo. E os países ricos, rebatia Poors, já se livraram das doenças,
das doenças da abundância?
A discussão prosseguiu por horas
a fio. Alguém tinha que ceder e no
fim quem o fez foi Standard. Declarou que os argumentos de Poors lhe
pareciam razoáveis e que encontravam amparo nos complicados cálculos econométricos que seus assistentes tinham feito. Já os céticos
(que não faltam, em economia)
acham que Standard foi vencido pelo cansaço: a teimosia dos pobres é
bem conhecida.
O certo é que o país agora é BBB.
Qualquer semelhança com Big Brother Brasil é mera coincidência.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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