|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LETRAS JURÍDICAS
As 33 leis do Código Civil
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O Código Civil de 2002 regula,
em 33 artigos (se não errei na contagem), atos e fatos da vida civil,
mas se reporta, em cada um deles,
a leis especiais que possam dispor
sobre os mesmos assuntos, sejam
elas quais forem. Isso quer dizer
que, se a pessoa ler apenas o dispositivo codificado, estará insuficientemente informada sobre o
direito vigente. Dou um exemplo
que ajudará a compreender a
dificuldade.
A cabeça do artigo 13 do código
proíbe todo ato de disposição do
próprio corpo, no todo ou em
parte, salvo por exigência médica,
para melhorar as condições de
saúde do paciente. Proíbe o ato,
sem a ressalva, referente a pessoa
viva se importar diminuição permanente de sua higidez ou contrariar os bons costumes. O médico fica submetido a esse limite
ainda que o doador queira superá-lo porque a eficácia do ato de
disposição a ser praticado depende do que dispuser a lei especial.
Hoje a lei especial tem o número
9.434/97. Por ela, a retirada dependerá de se referir a órgãos duplos ou partes de órgãos, tecidos
(menos sangue, esperma e óvulo,
em que não há dependência) ou
ainda de partes do corpo cuja retirada não impeça o doador de continuar vivendo sem risco para sua
integridade nem represente grave
comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental. Não
pode, ainda, causar mutilação ou
deformação inaceitável, mas deve
corresponder a efetiva e indispensável necessidade terapêutica da
pessoa receptora. Se o médico não
respeitar tais requisitos, sofrerá
sanções disciplinares, civis e criminais. São exigências da lei
especial.
Assim é porque o mencionado
conceito da eficácia diz que essa
palavra corresponde à aptidão de
produzir efeitos jurídicos. A disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, é eficaz,
como regra geral, quando inspirada por objetivo científico ou altruístico, embora possa ser revogada livremente pelo exclusivo
critério do doador a qualquer
tempo.
Ora, se a eficácia do ato de disposição fica submetida à lei especial, a norma codificada somente
se completa, no caso aqui examinado, para alcançar efeitos jurídicos se ajustada aos termos da lei
nš 9.434/97, chamada Lei dos
Transplantes, composta por 25
artigos. O atuador do direito terá
de verificá-la em sua forma atualizada, na data em que for aplicá-la.
Pode ocorrer de o Legislativo incluir, daqui para o futuro, artigos
na Lei dos Transplantes. Serão incorporados automaticamente ao
Código Civil, embora criados depois da vigência deste.
É também da lei especial, e não
do código, que a realização de
transplante ou enxertos só pode
ser feita por estabelecimento de
saúde, público ou privado, e por
equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente
autorizados pela gestão nacional
do Sistema Único de Saúde.
A retirada depois do falecimento será precedida de diagnóstico
de morte encefálica, constatada e
registrada por dois médicos não-participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a
utilização de critérios clínicos e
tecnológicos definidos por resolução do CFM - Conselho Federal
de Medicina, admitida a presença
de médico de confiança da família
do falecido. Paradoxalmente, mudada ou acrescida a resolução do
CFM, estará modificada a aplicação do Código Civil.
Há mais 32 exemplos, pelo menos, indicando leis especiais. Todos confirmam que a leitura isolada do código não resolverá a
eventual dúvida do consulente. É
problema próprio da codificação
reformada.
Texto Anterior: Planos terão emenda após reuniões Próximo Texto: Trânsito: Show em Santana interdita hoje a Santos Dumont Índice
|