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São Paulo, sábado, 12 de julho de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

As 33 leis do Código Civil

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O Código Civil de 2002 regula, em 33 artigos (se não errei na contagem), atos e fatos da vida civil, mas se reporta, em cada um deles, a leis especiais que possam dispor sobre os mesmos assuntos, sejam elas quais forem. Isso quer dizer que, se a pessoa ler apenas o dispositivo codificado, estará insuficientemente informada sobre o direito vigente. Dou um exemplo que ajudará a compreender a dificuldade.
A cabeça do artigo 13 do código proíbe todo ato de disposição do próprio corpo, no todo ou em parte, salvo por exigência médica, para melhorar as condições de saúde do paciente. Proíbe o ato, sem a ressalva, referente a pessoa viva se importar diminuição permanente de sua higidez ou contrariar os bons costumes. O médico fica submetido a esse limite ainda que o doador queira superá-lo porque a eficácia do ato de disposição a ser praticado depende do que dispuser a lei especial.
Hoje a lei especial tem o número 9.434/97. Por ela, a retirada dependerá de se referir a órgãos duplos ou partes de órgãos, tecidos (menos sangue, esperma e óvulo, em que não há dependência) ou ainda de partes do corpo cuja retirada não impeça o doador de continuar vivendo sem risco para sua integridade nem represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental. Não pode, ainda, causar mutilação ou deformação inaceitável, mas deve corresponder a efetiva e indispensável necessidade terapêutica da pessoa receptora. Se o médico não respeitar tais requisitos, sofrerá sanções disciplinares, civis e criminais. São exigências da lei especial.
Assim é porque o mencionado conceito da eficácia diz que essa palavra corresponde à aptidão de produzir efeitos jurídicos. A disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, é eficaz, como regra geral, quando inspirada por objetivo científico ou altruístico, embora possa ser revogada livremente pelo exclusivo critério do doador a qualquer tempo.
Ora, se a eficácia do ato de disposição fica submetida à lei especial, a norma codificada somente se completa, no caso aqui examinado, para alcançar efeitos jurídicos se ajustada aos termos da lei nš 9.434/97, chamada Lei dos Transplantes, composta por 25 artigos. O atuador do direito terá de verificá-la em sua forma atualizada, na data em que for aplicá-la. Pode ocorrer de o Legislativo incluir, daqui para o futuro, artigos na Lei dos Transplantes. Serão incorporados automaticamente ao Código Civil, embora criados depois da vigência deste.
É também da lei especial, e não do código, que a realização de transplante ou enxertos só pode ser feita por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pela gestão nacional do Sistema Único de Saúde.
A retirada depois do falecimento será precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não-participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do CFM - Conselho Federal de Medicina, admitida a presença de médico de confiança da família do falecido. Paradoxalmente, mudada ou acrescida a resolução do CFM, estará modificada a aplicação do Código Civil.
Há mais 32 exemplos, pelo menos, indicando leis especiais. Todos confirmam que a leitura isolada do código não resolverá a eventual dúvida do consulente. É problema próprio da codificação reformada.


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