São Paulo, segunda-feira, 12 de julho de 2004

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STF elimina risco de intervenção por atraso de pagamento

DA REPORTAGEM LOCAL

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que deu certa imunidade aos governos devedores foi inicialmente tomada para São Paulo. Neste ano, porém, já houve acórdãos estendendo o parecer ao Distrito Federal, ao Rio Grande do Sul e ao Espírito Santo.
Dívidas decorrentes de sentença judicial são chamadas precatórios. Quando resultam de casos de morte ou invalidez causadas por agente público -como violência policial ou erro médico- ou de falhas em cálculos salariais de servidores são classificadas de alimentares -referência direta à sobrevivência do beneficiário.
Pelo artigo 100 da Constituição Federal, esse débitos são prioritários e têm de ser pagos, no máximo, no ano seguinte à sentença. Em São Paulo, no entanto, o atraso já chega a sete anos.
Pela regras constitucionais, a punição para os devedores é a intervenção -da União no Estado ou do Estado no município. Cabe ao interventor pagar a dívida.
Em São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça decreta, por semana, dezenas de intervenções nos municípios, mas o Estado nunca nomeia interventores e nada acontece com o governador.
O TJ também sugere intervenções no Estado e manda os casos ao STF. Lá, de 1988 a 2002 já havia quase 5.000 pedidos de intervenção acumulados quando o então presidente do órgão, Marco Aurélio de Mello, colocou um deles em votação, contra São Paulo.
Foi aí que se desenhou a vigente imunidade aos devedores. Em acórdão de maio de 2003, por 10 votos a 1, os ministros liberaram o Estado do risco da intervenção ao aceitar a alegação do governo paulista de que não há recursos disponíveis para arcar com as despesas vinculadas, garantir a continuidade dos serviços públicos e pagar as dívidas alimentares.
"Não se pode exigir o pagamento da totalidade dos precatórios sem que se estabeleça uma análise sobre se tal pagamento encontra respaldo nos limites financeiros de um Estados zeloso de suas obrigações", escreveu o ministro Gilmar Mendes, sustentando ser a intervenção uma medida desproporcional porque "não está configurada uma ação dolosa do Estado" e porque o "interventor, evidentemente, estará sujeito às mesmas limitações [de verba]".
Voto vencido, o ministro Marco Aurélio de Mello discordou. Classificando como escárnio o fato de o Estado querer mais tempo para pagar suas dívidas judiciais -enquanto o cidadão tem 24 horas para fazê-lo, se quiser evitar a penhora de seus bens-, ele escreveu: "O Estado quer valer-se do vezo popular do mau pagador -devo, não nego, pago quando puder. Pouco importa que o Estado não proceda com intenção ao postergar o pagamento. Cumpre considerar, tão somente, se há falta de respeito à ordem jurídica".
É o fato de ter sido oficializada a transgressão dessa ordem -pela qual cabe ao STF zelar- que alvoroça a comunidade jurídica. De maio para cá, a decisão de negar a intervenção foi repetida em 847 acórdãos para São Paulo.
Com a jurisprudência consolidada, os pagamentos ficaram cada vez mais lentos. Em São Paulo, por exemplo, o desembolso semestral com os precatórios alimentares caiu de R$ 181 milhões por semestre entre 1999 e 2002 para pouco mais R$ 124 milhões desde o começo do ano passado.
O atraso do pagamento dos precatórios alimentares estaduais é alvo de um inquérito civil da Procuradoria Geral de Justiça, mas a Folha apurou que a ação não deve ser proposta por ser considerada perdida à luz da jurisprudência do STF. (SC)


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