São Paulo, quarta-feira, 12 de julho de 2006

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GILBERTO DIMENSTEIN

O impossível dançou

Suzie achava que seus alunos deficientes não evoluíam. Até que, de repente, enxergou uma nova magia nos corpos

CATÓLICA DE nascimento, Suzie Bianchi cultua duas religiões ao mesmo tempo: o budismo e o espiritismo. Bailarina, gosta de coreografias contemporâneas, clássicas e de jazz. Apresenta-se tanto num teatro como num improvisado picadeiro de circo; um de seus prazeres são as artes circenses. Essa vocação em lidar com a diversidade religiosa nos templos em que reza e nos palcos em que se exibe levou-a a experimentar uma mistura nos tablados -bailarinos profissionais contracenando com cadeirantes e portadores de deficiência mental. "Não é para ser uma espetáculo em que as pessoas tenham pena, mas que apreciem, como em qualquer outra exibição, a técnica e a beleza."
A experiência se iniciou involuntariamente quando, há quatro anos, Suzie foi procurada por uma mãe, frustrada, que não conseguia matricular a filha, portadora de deficiência mental, em nenhuma escola de balé. "Nunca tinha me chegado nenhum pedido semelhante, e, tenho de admitir, nem me sentia naquele momento apta para o desafio." Vieram depois mais amigas daquela menina, todas com problemas semelhantes e interessadas em dançar e, quem sabe, subir num palco.

 

Sem saber como trataria aquelas alunas especiais -logo depois apareceram os cadeirantes-, ela acabou acertando o passo. "Preferi não fazer uma classe separada, distante dos demais alunos." Colocou-os todos juntos, embora o processo de aprendizagem de cada um na sala fosse diferente, o que exigiria de Suzie um jeito novo de dar as aulas, para o qual não fora treinada. "Muitas vezes senti que, por mais que tentasse, eles nunca evoluiriam. Parecia inútil."
Estava enganada -e, nesse engano, iniciou um aprendizado que foi bem além das coreografias. "Comecei a rever a noção de impossível." De repente, depois de muitos anos de insistência, ela, quando já não apostava mais num aluno especial, via, surpresa, como conseguiam fazer o movimento correto. "Isso me ajudou a enxergar uma nova magia nos corpos."
 

Ao mesmo tempo, Suzie tomava conhecimento de como cada conquista, por menor que fosse, auxiliava no tratamento médico de seus alunos, não só por causa dos exercícios fisioterápicos mas também por mexer na auto-estima deles. Suzie conseguiu ter até mesmo um novo olhar sobre a alegria. "Não imaginava como alunos portadores de deficiência, pelo menos em contato com a arte e cercados de tanta gente, exibiam uma alegria em estado puro, livre, profunda." Tudo isso reconectou-a à sua infância, quando tinha decidido que seria, sem saber o porquê, professora de escola. Na rua dava aulas, por exemplo, de amarelinha.
 

Seu próximo espetáculo, previsto para este semestre no teatro Santa Cruz, está em fase de preparação. A coreografia vai expressar, em parte, o aprendizado de Suzie com seus alunos sobre o impossível e a alegria diante dos altos e baixos de qualquer existência. O nome provisório da apresentação é "Roda da Vida".

gdimen@uol.com.br

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