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Filhos criam e desmontam suas versões sobre os pais
A construção e a desconstrução da figura paterna passa pelo olhar dos rebentos
De modelo a espelho, de super-herói a oponente, as descrições de pai mudam ao longo da vida, de acordo com o relato dos filhos
ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA DA FOLHA
Para pensar durante o almoço de hoje: se tivesse de descrever seu pai ao longo da vida,
quantas versões ele teria?
Na infância, costumamos
pintá-los com cores e poderes
de super-herói.
Com as primeiras espinhas,
vêm também as primeiras discussões. A admiração incondicional cede lugar ao confronto
-de idéias, gostos, objetivos.
Autonomia financeira conquistada, a jornada segue sem a
diligência do pai. A ânsia pela
independência que acompanhou as espinhas se transforma
em saudade, mas o turbilhão da
vida adulta lhe toma até o tempo de sentir -por vezes, até de
telefonar.
Ainda que relute, chega o dia
em que alguém te chama de pai.
E então o mundo muda, você
muda e, de repente, ele também mudou. De modelo passou
a espelho, e você se vê repetindo com os seus o que ele fazia
quando te chamava de meu.
É esse convívio em etapas,
sempre em construção, que determina os diferentes laços que
se estabelecem entre pais e filhos durante a vida, dizem os
especialistas. "Quando chega à
paternidade, o filho tem de estar em paz com os conflitos que
teve com o pai para exercê-la
bem", diz Jonia Lacerda, 48,
psicóloga supervisora do Instituto de Psiquiatria da USP.
Não importa como se exerça
essa "profissão", ela sempre terá os resquícios impressos pelo
progenitor. "Os filhos reproduzem a figura paterna tanto para
o lado positivo como para o negativo", diz a terapeuta Magdalena Ramos, 68, professora do
Núcleo de Casal e Família da
PUC-SP. Para ela, filhos repetem padrões de comportamento muito mais do que discursos.
Quanto mais etapas se completam mais lembranças se acumulam. E nem sempre elas são
doces. Uma surra ou uma discussão podem deixar o mesmo
tipo doloroso de ferida. Que, às
vezes, cicatriza em demasia, a
ponto de endurecer. Nessa hora pode-se aplicar a doutrina do
livre arbítrio, e, se possível, escolher que parte da história (e
do pai) se quer perpetuar.
"Como dizia Jacques Lacan,
é necessário servir-se do pai para poder prescindir dele", lembra o psiquiatra e psicanalista
Ariel Bogochvol, 49, da USP. "O
pai é uma referência necessária, um elemento simbólico que
ao mesmo tempo constrói valores como herança. Para que o filho crie sua própria autoria."
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