São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007 |
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GILBERTO DIMENSTEIN Por que nos sentimos órfãos
OS DADOS OFICIAIS sobre segurança pública são uma ilusão.
A prova disso está numa pesquisa reservada da Secretaria da Segurança de São Paulo, feita neste
ano pela Fundação Seade, sobre as
vítimas que não dão queixa à polícia. Olhando os números da cidade de São Paulo, há motivos para alguma comemoração. Apesar de ainda estarem altos, alguns indicadores estão melhorando. Em pelo menos dois itens, a subnotificação é quase nula: os assassinatos e os latrocínios (roubos seguidos de morte), que, desde 1999, tiveram uma redução de impressionantes 71% e 90%, respectivamente. Até mesmo nos roubos e furtos de automóveis, nos quais os registros, por causa dos contratos com empresas seguradoras, são menos imprecisos, também ocorreu queda em torno de 30%. Nada disso, porém, serve para acalmar os paulistanos pela simples razão de que os sinais de desproteção ainda estão presentes em todos os lados e em todos os momentos, como se a impunidade fizesse parte de uma rotina inexorável. São os carros que param nas faixas de pedestre, os "flanelinhas" que privatizam as ruas, os telefones de serviços de emergência que demoram em responder, os professores que faltam cronicamente nas escolas públicas, os motoristas que dirigem alcoolizados, os motoboys que zanzam como loucos, o entulho jogado nas esquinas, as crianças exploradas que pedem esmolas nos semáforos, as mortes causadas pela incompetência da administração das redes de saúde, a crônica demora de uma ação na Justiça. Desde 2005, quando se denunciou o mensalão, não há um só dia, nem sequer um, em que a corrupção tenha saído do topo do noticiário de política. Dia após dia, aparecem casos em que estão envolvidos alguns dos principais personagens do poder, a exemplo do presidente do Senado, Renan Calheiros. Antes dele, Severino Cavalcanti foi abatido da presidência da Câmara. Em suma, a cúpula do Congresso passou a protagonizar casos policiais. O temor da impunidade generalizada é reforçado quando vemos a consagração de alguns desses políticos pelas urnas ou até sua vitória na Justiça. Na semana passada, Paulo Maluf foi beneficiado pelo tempo nas acusações que sofre por suposto superfaturamento de obras -o crime foi prescrito. Apesar de todos os fartos indícios da existência de contas suas no exterior, ele não só retornou à Câmara dos Deputados com extraordinária votação como se prepara para disputar a Prefeitura de São Paulo. Diante de tantos descalabros, imagina-se que o país esteja moralmente pior. Seria verdade? A noção de que a corrupção se espalha como metástase pelo país é histérica. Não quero dizer que o país seja exemplo de moralidade. Longe, muito longe disso, mas é uma injustiça para com o esforço de milhares de brasileiros deixar de reconhecer que, desde a volta à democracia, aprimoraram-se, e muito, os mecanismos de controle dentro e fora do governo. Basta ver os novos poderes dos promotores públicos, as descobertas das comissões parlamentares de inquérito e a eficiência policial em desbaratar quadrilhas. Estamos conhecendo mais bandalheiras porque se construíram mais e melhores mecanismos de transparência, a começar pela exposição das contas do governo. O fato é que, se, nas pequenas coisas do cotidiano, não percebemos respeito, sempre será mais forte a sensação de orfandade. PS - Falo da força das pequenas coisas por ter testemunhado uma formidável peça de marketing de política pública em Nova York, batizada de Tolerância Zero. Ao combater pequenos delitos, visíveis todos os dias nas ruas, a polícia transmitiu a sensação de segurança e a população começou a perceber melhor os demais índices de criminalidade que caíam. Há, no Brasil, uma demanda pela ordem no cotidiano. Basta ver a pesquisa Datafolha: graças, em boa parte, ao combate à poluição visual, Gilberto Kassab saiu do anonimato, melhorou rapidamente sua avaliação e já se apresenta (o que parecia impossível até pouco tempo atrás) como um candidato competitivo.
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