São Paulo, domingo, 12 de setembro de 2004

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SAÚDE

Consultar a família do paciente e fazer histórico pormenorizado ajudam a prescrever tratamento correto

Diagnóstico psiquiátrico exige conversas

DA REPORTAGEM LOCAL

O ponto mais importante para um diagnóstico psiquiátrico correto é muita conversa -às vezes, não só com o paciente, mas também com sua família. Além de um acompanhamento acurado da evolução do caso.
Um histórico pormenorizado é essencial para distinguir uma doença de outra. E, mesmo assim, muitas vezes o diagnóstico só se confirma depois de algum tempo de uso do medicamento, por exemplo -uma boa resposta indica que o tratamento adotado está correto.
A Associação Brasileira de Psiquiatria está em campanha intensa para desmistificar a especialidade e seus procedimentos -fazer com que a ida aos consultórios de psiquiatras tenha a mesma conotação de uma consulta ao cardiologista, por exemplo.
Há pacientes que ainda consideram um bicho-de-sete-cabeças ter de ir ao psiquiatra, ou que não compreendem por que motivo, às vezes, é tão demorado receber o "veredicto" desse médico.
"Existe um preconceito contra a doença psiquiátrica. Há um contingente enorme de pessoas com distúrbios afetivos, fóbicos, que apresentam um conjunto de queixas sem explicação e que poderiam ser assistidas por esse profissional", afirma Marco Antônio Brasil, presidente da associação.
A Organização Mundial da Saúde calcula que 450 milhões de pessoas no mundo sofram de transtornos mentais ou de comportamento (veja quadro). Os dados mostram ainda que a falta de tratamento vai além do preconceito.
Apesar de os distúrbios responderem por 12% da carga mundial de doenças, ainda recebem menos de 1% dos gastos totais em saúde. Mais de 40% dos países carecem de políticas de saúde mental e mais de 30% não têm programas nessa esfera.

Quando é hora?
A própria OMS considera difícil definir o que são os transtornos psiquiátricos. Em última análise, afirma na publicação "Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança", de 2001, são uma série de distúrbios que se caracterizam por uma combinação de idéias, de emoções, de comportamento e de relacionamento anormais com outras pessoas.
Os estudos atuais mostram que doenças como a depressão não são resultado só da falta de um neurotransmissor -substância responsável pela comunicação entre as células cerebrais. Em uma analogia com uma máquina que falha, é todo um circuito que não funciona direito, e não só a "falta de combustível" é a razão do problema.
Coordenador de pesquisas do grupo de doenças afetivas do Hospital das Clínicas de São Paulo, o psiquiatra Beny Lafer diz que o leigo tem condições de saber a hora de procurar um psiquiatra.
"Se existe incapacitação afetiva, familiar, a pessoa não consegue ir ao trabalho ou à escola, está se isolando, é bom procurar o psiquiatra", diz. Para ele, esse é o mais importante parâmetro para distinguir um sofrimento subjetivo, um conflito não-resolvido -que podem ser alvo só do atendimento psicológico -do que pode ser uma doença psiquiátrica.
Somente o psiquiatra pode prescrever medicamentos. Mas eles nem sempre são necessários. Lafer afirma já ter recebido pessoas que necessitavam, por exemplo, apenas de uma psicoterapia familiar.
Apesar de muitas vezes haver demora para chegar a conclusão sobre um caso, segundo a OMS, atualmente é possível diagnosticar transtornos mentais de uma forma tão confiável e precisa como a maioria dos transtornos físicos. A concordância entre dois especialistas apresenta médias de 0,7 a 0,9, na mesma faixa das do diabetes e hipertensão.
Por que, então, às vezes um mesmo paciente recebe dois diagnósticos diferentes, como transtorno bipolar -caracterizado pela alternância de fases de mania com depressão- e distúrbio de déficit de atenção? Lafer explica que há sintomas comuns a diferentes tipos de transtorno. Por exemplo, nos episódios de mania do transtorno bipolar, é comum o paciente ter a impulsividade do déficit de atenção.
Na psiquiatria, é comum, ainda, haver comorbidade -presença simultânea de duas doenças. "Aí é preciso saber o que é mais importante tratar", diz Lafer. Por isso colher adequadamente a história do paciente é essencial. Não existe testes padronizados ou exames que substituam esse procedimento. Os exames de imagem são utilizados somente para o entendimento do funcionamento do cérebro para efeito de pesquisa. Ou para investigar determinados pacientes, como quando há dúvida se o distúrbio não pode ser decorrente de uma alteração estrutural, como um tumor cerebral.
(FABIANE LEITE)

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