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ANÁLISE
Carandiru e outros dramas
CLAUDIO BEATO
ESPECIAL PARA A FOLHA
POUCOS eventos ocorridos na área da segurança pública tiveram um
simbolismo tão marcante e emblemático como o massacre do
Carandiru. A partir dali, o debate acerca de como o Estado deve tratar os criminosos e delinqüentes passou a ter contornos
ideológicos definidos e posições transparentes como nunca havia ocorrido até então. A
figura polêmica do recentemente falecido coronel Ubiratan, comandante da operação à
época, acabou traduzindo de
forma eloqüente a intensidade
das posições adotadas pela extrema direita e seus oponentes
no tema da segurança pública.
Opiniões dividiram-se frontalmente em relação ao massacre. Em contraste com a condenação quase universal da chacina de números chocantes por
parte de militantes, estudiosos,
meios de comunicação e a imprensa estrangeira, houve
igualmente um enorme apoio
silencioso à operação policial,
com base em certa crença popular de que "bandido bom é
bandido morto". Mais do que o
debate em torno dos excessos
praticados acima da lei, a discussão passou a gravitar sub-repticiamente em torno do tratamento que de fato o Estado
deveria conferir aos criminosos. Isso explicou a surpreendente eleição do coronel Ubiratan para deputado estadual, ostentando o sintomático número 111 em sua candidatura.
Para os policiais, o episódio
reforçou a crença na maneira
preconceituosa como a sociedade os trata, na forma de uma
das queixas recorrentes entre a
tropa. Freqüentemente têm
que cumprir decisões tomadas
ao nível político, cuja conseqüência termina recaindo sobre eles. As autoridades de governo, verdadeiras responsáveis pela decisão de invadir o
presídio, não foram responsabilizadas no episódio, preferindo relegar aos policiais o ônus
do fracasso da operação. Assim,
ao fortalecer-se o espírito corporativo, terminou-se por inviabilizar completamente qualquer análise mais racional e
isenta das razões estruturais e
contextuais do massacre.
Para a sociedade brasileira,
entretanto, as conseqüências
foram mais nefastas. Ao lado de
outros eventos dramáticos como Vigário Geral, Favela Naval,
Queimados e mais recentemente as rebeliões dos presídios pelo PCC, uma das características mais impressionantes nesse tipo de episódio é o
imobilismo político. O que muda a partir desses eventos? Fora filmes, livros e implosão de
prédios, quase nada. Continuamos com um dos piores sistemas prisionais do planeta, com
projetos de reforma das polícias e com a discussão sobre o
tratamento a ser dado aos criminosos como uma agenda de
infinitos problemas em aberto.
Nesse vácuo, houve uma acomodação perversa desse universo. Os conflitos banais entre
gangues rivais, bastante comuns nos presídios e que deram origem à revolta e ao posterior massacre do Carandiru,
foram substituídos por bem estruturadas organizações de interesses no interior dos cárceres, passando a se encarregar
da auto-regulação da população prisional paulista. Mais do
que isso, passou a protagonizar
desafios e ameaças explícitos
ao poder constituído, defendendo de forma coesa e surpreendente a enorme heterogeneidade de interesses no interior das penitenciárias. Enquanto isso, continuamos na
condição passiva de meros espectadores a esperar o próximo
desses eventos dramáticos.
CLAUDIO BEATO , sociólogo, coordena o Crisp
(Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
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