São Paulo, terça-feira, 12 de setembro de 2006

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Corpo de coronel é enterrado sob aplausos

Sepultamento foi feito em cemitério que fica no número 111 da rua; velório aconteceu em regimento da Polícia Militar

No mesmo quartel em que foi velado, na Luz, Ubiratan celebrara, há sete meses, a absolvição no julgamento do massacre do Carandiru

LAURA CAPRIGLIONE
MARIANA TAMARI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os candelabros de alabastro do salão nobre do quartel do Regimento 9 de Julho, no bairro da Luz (região central de São Paulo), acenderam-se pela última vez para o coronel Ubiratan Guimarães, ontem. Dessa vez para a solenidade de seu velório, que contou com a presença de pelo menos 400 pessoas.
Há sete meses, o mesmo salão foi aberto para receber um exultante coronel Ubiratan. Foi lá que o militar comemorou com os companheiros de farda a liberdade conquistada depois que o Tribunal de Justiça livrou-o dos 632 anos de prisão a que havia sido condenado, em primeira instância, pelo massacre do Carandiru.
No dia em que foi condenado, 30 de julho de 2001, às 2 horas da manhã, foi para lá também que o coronel se dirigiu. "Todos os oficiais estavam me esperando. Ficaram ao meu lado." Ontem estavam lá, de novo.
Na última homenagem ao herói da "linha-dura", ouviam-se ainda os ecos do "maior feito do coronel", forma como uma roda de amigos -a mulher de um ex-comandante do regimento ao centro- definia as mortes dos 111 presos. Ela só lamentava, enquanto chorava muito: "Pena que não foram logo 1.000. Não haveria PCC, não haveria esse medo".
O ex-governador e candidato pelo PMDB Orestes Quércia, o líder do PT na Assembléia Legislativa, Enio Tatto, a coronel Fátima Ramos Dutra, chefe da Casa Militar do governo de São Paulo (cuja indicação para o cargo foi qualificada pelo coronel Ubiratan como "lamentável), estiveram presentes.
Nenhum foi tão notado como o ex-governador do Estado e hoje deputado federal Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP). Ele chegou ao salão às 16h, pouco antes do fechamento do ataúde, que permaneceu durante todo o velório aberto apenas na altura do rosto -o coronel tinha o semblante tranqüilo, sem sinal de tensão.

Mágoa
"Mais do que a pessoa de Ubiratan Guimarães, é uma referência que a sociedade brasileira perde", disse Fleury. Em seguida, o ex-governador, que era o chefe do coronel Ubiratan à época do massacre, disse: "A responsabilidade pelo que houve no Carandiru é toda minha".
"Hoje ele diz isso porque rende votos. Mas, na época da condenação do coronel, ninguém ouviu o Fleury assumir qualquer coisa", rebateu a advogada Ana Maria Goulart, cabo eleitoral de Ubiratan e que foi ao velório acompanhada do marido, também um entusiasta do coronel "desde os tempos da Rota [Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, força que ele também comandou]".
Na ocasião de sua absolvição pelo Tribunal de Justiça, Ubiratan Guimarães fez questão de afirmar que só guardava uma mágoa "das grandes". "O nome dessa mágoa é o governador Fleury. [...] Ele virou as costas para mim."
Estavam no velório soldados e agentes de vários grupos das polícias Civil e Militar, além de um general e dois coronéis do Exército. Todos uniformizados, armas de trabalho nos coldres. Muitos dos encontros desses homens duros começavam com um abraço que estourava em tapões nas costas uns dos outros, para depois acabar em lágrimas que escorriam abertamente. O coronel era um homem querido entre os seus.
A mãe do coronel, Carmen Guimarães, 82, devastada, debruçava-se sobre o caixão do filho, todo o tempo guardado por dois cavalarianos com lanças e uniformes históricos, os elmos prateados enfeitados com longos rabos de cavalo. Ubirajara, irmão do coronel, amparava a mãe: "Se todo mundo fizesse o que ele [Ubiratan] fez, estaria ótima a sociedade". Da família também estavam os filhos do coronel, Rodrigo, 30, Fabrício, 28 e Diogo, 29, que ajudaram a carregar o caixão.

Rua tal, número 111
O coro de 23 vozes masculinas da Polícia Militar entoou um réquiem para o coronel, solene. Em seguida, soldados puxaram o hino da cavalaria. Sem acompanhamento mesmo, cantaram e choraram. Em seguida, o grito de guerra: "Hip hurra, hip hurra, hip hurra. E ao cavalo".
Sob o olhar de uma cabeça eqüina em tamanho natural, fixada no alto da parede do salão nobre, o corpo do coronel Ubiratan começou a ser removido do quartel pontualmente às 16h30. Destino: o cemitério do Horto Florestal, zona norte, a pouco mais de 11 quilômetros de distância. Em cada esquina, um carro de polícia parado, luzes piscando, orientava os amigos do coronel sobre o trajeto a ser percorrido.
No endereço, uma última ironia. "É na rua Luís Nunes, número 111", explicava uma soldado responsável pela comunicação. "111?", indagou-se. "É, fazer o quê, né?"
O coronel foi sepultado sob aplausos dos presentes, depois do toque de silêncio, executado pelos clarins do regimento.


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