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Corpo de coronel é enterrado sob aplausos
Sepultamento foi feito em cemitério que fica no número 111 da rua; velório aconteceu em regimento da Polícia Militar
No mesmo quartel em que foi velado, na Luz, Ubiratan celebrara, há sete meses, a absolvição no julgamento do massacre do Carandiru
LAURA CAPRIGLIONE
MARIANA TAMARI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os candelabros de alabastro
do salão nobre do quartel do
Regimento 9 de Julho, no bairro da Luz (região central de São
Paulo), acenderam-se pela última vez para o coronel Ubiratan
Guimarães, ontem. Dessa vez
para a solenidade de seu velório, que contou com a presença
de pelo menos 400 pessoas.
Há sete meses, o mesmo salão foi aberto para receber um
exultante coronel Ubiratan.
Foi lá que o militar comemorou
com os companheiros de farda
a liberdade conquistada depois
que o Tribunal de Justiça livrou-o dos 632 anos de prisão a
que havia sido condenado, em
primeira instância, pelo massacre do Carandiru.
No dia em que foi condenado,
30 de julho de 2001, às 2 horas
da manhã, foi para lá também
que o coronel se dirigiu. "Todos
os oficiais estavam me esperando. Ficaram ao meu lado." Ontem estavam lá, de novo.
Na última homenagem ao
herói da "linha-dura", ouviam-se ainda os ecos do "maior feito
do coronel", forma como uma
roda de amigos -a mulher de
um ex-comandante do regimento ao centro- definia as
mortes dos 111 presos. Ela só lamentava, enquanto chorava
muito: "Pena que não foram logo 1.000. Não haveria PCC, não
haveria esse medo".
O ex-governador e candidato
pelo PMDB Orestes Quércia, o
líder do PT na Assembléia Legislativa, Enio Tatto, a coronel
Fátima Ramos Dutra, chefe da
Casa Militar do governo de São
Paulo (cuja indicação para o
cargo foi qualificada pelo coronel Ubiratan como "lamentável), estiveram presentes.
Nenhum foi tão notado como
o ex-governador do Estado e
hoje deputado federal Luiz Antonio Fleury Filho (PTB-SP).
Ele chegou ao salão às 16h, pouco antes do fechamento do
ataúde, que permaneceu durante todo o velório aberto apenas na altura do rosto -o coronel tinha o semblante tranqüilo, sem sinal de tensão.
Mágoa
"Mais do que a pessoa de Ubiratan Guimarães, é uma referência que a sociedade brasileira perde", disse Fleury. Em seguida, o ex-governador, que era
o chefe do coronel Ubiratan à
época do massacre, disse: "A
responsabilidade pelo que houve no Carandiru é toda minha".
"Hoje ele diz isso porque rende votos. Mas, na época da condenação do coronel, ninguém
ouviu o Fleury assumir qualquer coisa", rebateu a advogada
Ana Maria Goulart, cabo eleitoral de Ubiratan e que foi ao velório acompanhada do marido,
também um entusiasta do coronel "desde os tempos da Rota
[Rondas Ostensivas Tobias de
Aguiar, força que ele também
comandou]".
Na ocasião de sua absolvição
pelo Tribunal de Justiça, Ubiratan Guimarães fez questão de
afirmar que só guardava uma
mágoa "das grandes". "O nome
dessa mágoa é o governador
Fleury. [...] Ele virou as costas
para mim."
Estavam no velório soldados
e agentes de vários grupos das
polícias Civil e Militar, além de
um general e dois coronéis do
Exército. Todos uniformizados, armas de trabalho nos coldres. Muitos dos encontros
desses homens duros começavam com um abraço que estourava em tapões nas costas uns
dos outros, para depois acabar
em lágrimas que escorriam
abertamente. O coronel era um
homem querido entre os seus.
A mãe do coronel, Carmen
Guimarães, 82, devastada, debruçava-se sobre o caixão do filho, todo o tempo guardado por
dois cavalarianos com lanças e
uniformes históricos, os elmos
prateados enfeitados com longos rabos de cavalo. Ubirajara,
irmão do coronel, amparava a
mãe: "Se todo mundo fizesse o
que ele [Ubiratan] fez, estaria
ótima a sociedade". Da família
também estavam os filhos do
coronel, Rodrigo, 30, Fabrício,
28 e Diogo, 29, que ajudaram a
carregar o caixão.
Rua tal, número 111
O coro de 23 vozes masculinas da Polícia Militar entoou
um réquiem para o coronel, solene. Em seguida, soldados puxaram o hino da cavalaria. Sem
acompanhamento mesmo,
cantaram e choraram. Em seguida, o grito de guerra: "Hip
hurra, hip hurra, hip hurra. E
ao cavalo".
Sob o olhar de uma cabeça
eqüina em tamanho natural, fixada no alto da parede do salão
nobre, o corpo do coronel Ubiratan começou a ser removido
do quartel pontualmente às
16h30. Destino: o cemitério do
Horto Florestal, zona norte, a
pouco mais de 11 quilômetros
de distância. Em cada esquina,
um carro de polícia parado, luzes piscando, orientava os amigos do coronel sobre o trajeto a
ser percorrido.
No endereço, uma última
ironia. "É na rua Luís Nunes,
número 111", explicava uma
soldado responsável pela comunicação. "111?", indagou-se.
"É, fazer o quê, né?"
O coronel foi sepultado sob
aplausos dos presentes, depois
do toque de silêncio, executado
pelos clarins do regimento.
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