São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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BICHOS
SÍLVIA CORRÊA


correa-silvia@uol.com.br

A saga de Efalante


A sarna formou uma tromba no nariz do coelho, que levava as patas à boca de forma incessante


Há um silencioso hábito em curso nas grandes cidades: abandonar animais na porta de pet shops, ONGs e clínicas veterinárias. É como se a escolha do local servisse de grotesco atenuante à conduta e à consciência do infrator (se é que alguém assim tem algum grau de consciência).
Há quem seja bem ousado: deixe o animal para banho, dê o telefone errado e nunca mais apareça. E há os que levam o bicho doente à clínica, ouvem o diagnóstico e, então, ameaçam o veterinário -"ou você fica com ele ou vou deixá-lo na calçada".
Soa inacreditável, mas foi o que aconteceu na semana passada com um jovem coelho do tipo lion. O dono chegou à loja nervoso, com o animal dentro de uma caixa de papelão.
Argumentava que havia comprado o coelho dois meses antes, com um "defeito genético".
Quando a veterinária abriu a caixa, veio a surpresa. "O animal estava completamente caquético, todo urinado, com pododermatite (inflamação nas patas, por conta do contato constante com fezes e urina), sem falar num quadro de sarna que eu nunca tinha visto igual. A literatura científica relata que, em casos não tratados, a doença pode formar uma tromba no nariz dos coelhos, semelhante à dos elefantes, mas nem nos livros eu tinha visto uma imagem tão didática", conta.
Em estágio avançadíssimo, a sarna também deformava as unhas do animal. E coçava tanto que ele levava as patas à boca, de forma incessante e alternada. Parecia sapatear.
A veterinária explicou ao proprietário que ali não havia doença genética, mas claros sinais de maus-tratos. O homem ouviu e ameçou: ou a loja aceitava o coelho de volta ou ele abandonaria o animal na saída.
Dividida entre as regras da empresa e a preocupação com o destino do bicho, ela optou pelo animal e fez o cliente assinar um termo de doação.
O coelho tomou banho, teve pelos e unhas cortados e ganhou um generoso prato de verduras. Comeu desesperadamente. Estava caquético não por inapetência, mas provavelmente porque a tromba o impedia de alcançar a comida.
Escrevo exatos seis dias depois da "devolução" de Efalante -nome com o qual o coelhinho foi batizado, em referência à espécie fictícia do personagem Bolota, um mamífero com tromba de elefante e rabo de coelho dos desenhos do Ursinho Pooh.
Tratado com um antiparasitário, um antibiótico e um corticóide, ele já parece outro animal. A coceira passou. A tromba caiu. E o peso aumentou 300 gramas -nada mal para quem tem de ir de 1 kg para 1,7 kg. Nem sinal da tal "doença genética".
Admito que talvez o tiro saia pela culatra e que o final feliz dessa história possa incentivar muita gente a abandonar bichos na porta de veterinários -o que, aliás, é crime punido com multa e ao menos um ano de detenção. Para esses "donos" é importante esclarecer que roteiros como esse são exceção e que muitas lojas encaminham os animais abandonados à eutanásia. Mas, aí, é uma decisão pessoal. Porque na vida a gente faz várias escolhas. E uma delas é ser ou não ser cidadão.


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