|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
Quer dançar comigo?
Tomei coragem e fui fazer a
minha primeira aula de dança. Estava tão nervosa que cheguei uma hora antes -excelente
razão, aliás, para achar que o
professor tinha se atrasado e ir
embora correndo, mas como já
conheço muito bem meus mecanismos, aguentei firme.
Fim de tarde de sábado e um
monte de gente aprendendo a
dançar: não é incrível? Numa das
salas, o ritmo era salsa, em outra,
tango, em outra, samba no pé. Jovens, menos jovens, francamente
mais velhos, todos levando muito
a sério a aula. Alguns mais
adiantados davam volteios no salão, outros ficavam no tradicional, e havia um troca-troca de pares. E foi aí que dei de cara com o
inesperado: o preconceito.
Era impossível identificar a origem dos alunos: podiam ser médicos, funcionários públicos, comerciários, aspirantes a dançarinas
profissionais, balconistas, surfistas ou boys de escritório. Aqueles
sinais exteriores que definem, numa fração de segundo, qual o
"meio social" a que as pessoas
pertencem não existiam: os jeans
não eram de grife, as camisetas
não eram as básicas, brancas ou
pretas, que nivelam a humanidade, os cortes de cabelo eram qualquer nota, e nada, rigorosamente
nada, indicava de onde elas vinham, mas todas tinham em comum os olhos brilhando e a alegria de dançar. Tudo indicava
que ninguém ali tinha jamais ouvido a palavra Gucci e que para
eles uma cervejinha no fim de semana era um programão. Foi
quando eu pensei: "Já é mais do
que hora de parar com tanta frescura, Danuza".
Num salão grande com ventiladores no teto, uns 20 alunos, todos
iniciantes, se preparavam para a
aula, e começou a tocar a primeira música: "Dois pra lá, dois pra
cá". O professor, calmo, me deixou bem à vontade e ainda deu a
maior força -e só eu sei do
quanto estava precisando; comecei a aula fazendo tudo o que ele
fazia.
Quem passou a vida encarando
sem o menor problema uma pista
de dança (depois de dois uísques)
pensa que dançar é fácil, só que
não é. A aula começa mansa, você
vai indo, daí a pouco erra nos
passos mais elementares e se acha
uma débil mental. Quando consegue fazer tudo direito durante
cinco minutos, se sente uma glória -e ainda tem que aprender a
como botar a mão no ombro do
parceiro e que não se dança
olhando para o chão. Não, fácil
não é, mas é ótimo.
Depois de uma hora, estava de
língua de fora e suando feito uma
condenada; o professor, delicadíssimo, me explicou que aquela turma era de iniciantes, mas que tinham começado as aulas havia
seis meses, que tal se eu fosse para
um grupo em que estivessem todos começando agora? Fui rebaixada, mas não me senti nem um
pouco humilhada: topei na hora.
Em uma só aula parece que não
acontece muita coisa, mas acontecem várias, e algumas considerações podem ser feitas. A primeira e melhor: saí de lá exausta e
alegre como havia muito tempo
não me sentia. Alegre no coração
e no corpo, sabe como é? Completamente diferente da alegria de
estar numa festa chique com um
vestido bonito ou um sapato da
última coleção. Era uma alegria
tão boa, tão minha, tão física, que
dependia tão pouco do resto do
universo, que agora só penso numa coisa: na próxima aula.
Grande decisão essa minha, que
aconselho a todos: dançar, sem
inibições nem pudores ridículos.
E agora eu sei, por experiência
própria, que aquela história do
passarinho é verdadeira. Você
não dança porque está feliz, você
fica feliz porque dança.
Vai chegar o dia -breve- em
que vou estar em algum lugar em
que se dance, e se alguém me perguntar "quer dançar comigo?", eu
talvez me levante e dance, dance,
dance, com a certeza de que vou
voltar para casa bem feliz.
A vida às vezes é tão simples que
dá até medo.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
Texto Anterior: Interior também enfrenta crise Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|