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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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DANUZA LEÃO

Quer dançar comigo?

Tomei coragem e fui fazer a minha primeira aula de dança. Estava tão nervosa que cheguei uma hora antes -excelente razão, aliás, para achar que o professor tinha se atrasado e ir embora correndo, mas como já conheço muito bem meus mecanismos, aguentei firme.
Fim de tarde de sábado e um monte de gente aprendendo a dançar: não é incrível? Numa das salas, o ritmo era salsa, em outra, tango, em outra, samba no pé. Jovens, menos jovens, francamente mais velhos, todos levando muito a sério a aula. Alguns mais adiantados davam volteios no salão, outros ficavam no tradicional, e havia um troca-troca de pares. E foi aí que dei de cara com o inesperado: o preconceito.
Era impossível identificar a origem dos alunos: podiam ser médicos, funcionários públicos, comerciários, aspirantes a dançarinas profissionais, balconistas, surfistas ou boys de escritório. Aqueles sinais exteriores que definem, numa fração de segundo, qual o "meio social" a que as pessoas pertencem não existiam: os jeans não eram de grife, as camisetas não eram as básicas, brancas ou pretas, que nivelam a humanidade, os cortes de cabelo eram qualquer nota, e nada, rigorosamente nada, indicava de onde elas vinham, mas todas tinham em comum os olhos brilhando e a alegria de dançar. Tudo indicava que ninguém ali tinha jamais ouvido a palavra Gucci e que para eles uma cervejinha no fim de semana era um programão. Foi quando eu pensei: "Já é mais do que hora de parar com tanta frescura, Danuza".
Num salão grande com ventiladores no teto, uns 20 alunos, todos iniciantes, se preparavam para a aula, e começou a tocar a primeira música: "Dois pra lá, dois pra cá". O professor, calmo, me deixou bem à vontade e ainda deu a maior força -e só eu sei do quanto estava precisando; comecei a aula fazendo tudo o que ele fazia.
Quem passou a vida encarando sem o menor problema uma pista de dança (depois de dois uísques) pensa que dançar é fácil, só que não é. A aula começa mansa, você vai indo, daí a pouco erra nos passos mais elementares e se acha uma débil mental. Quando consegue fazer tudo direito durante cinco minutos, se sente uma glória -e ainda tem que aprender a como botar a mão no ombro do parceiro e que não se dança olhando para o chão. Não, fácil não é, mas é ótimo.
Depois de uma hora, estava de língua de fora e suando feito uma condenada; o professor, delicadíssimo, me explicou que aquela turma era de iniciantes, mas que tinham começado as aulas havia seis meses, que tal se eu fosse para um grupo em que estivessem todos começando agora? Fui rebaixada, mas não me senti nem um pouco humilhada: topei na hora.
Em uma só aula parece que não acontece muita coisa, mas acontecem várias, e algumas considerações podem ser feitas. A primeira e melhor: saí de lá exausta e alegre como havia muito tempo não me sentia. Alegre no coração e no corpo, sabe como é? Completamente diferente da alegria de estar numa festa chique com um vestido bonito ou um sapato da última coleção. Era uma alegria tão boa, tão minha, tão física, que dependia tão pouco do resto do universo, que agora só penso numa coisa: na próxima aula.
Grande decisão essa minha, que aconselho a todos: dançar, sem inibições nem pudores ridículos. E agora eu sei, por experiência própria, que aquela história do passarinho é verdadeira. Você não dança porque está feliz, você fica feliz porque dança.
Vai chegar o dia -breve- em que vou estar em algum lugar em que se dance, e se alguém me perguntar "quer dançar comigo?", eu talvez me levante e dance, dance, dance, com a certeza de que vou voltar para casa bem feliz.
A vida às vezes é tão simples que dá até medo.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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