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De volta à rotina com um novo coração
Rodrigo Marques, 4, passa em casa seu primeiro
Dia da Criança após receber um órgão transplantado
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Com uma espada fictícia nas
mãos, Rodrigo luta contra o
Batman na sala de sua casa, no
Capão Redondo (zona sul de
São Paulo). Só sossega quando
quebra a cabeça do pequeno
boneco. Contrariado, pede ao
pai um tubo de cola para consertá-lo. "É que eu sou muito
forte", justifica o garoto.
Sim, Rodrigo de Melo Marques, 4, é muito forte. No ano
passado, ele esteve entre a vida
e a morte durante sete meses
no InCor (Instituto do Coração) à espera de um transplante
de coração. Na cama da UTI pediátrica, viu morrer outras sete
crianças que também precisavam de um órgão, mas que sucumbiram na fila de espera.
O garoto tinha miocardiopatia restritiva, uma doença que
leva à fibrose progressiva do
músculo cardíaco. Nessa situação, não há o adequado bombeamento de sangue para outros órgãos, que progressivamente entram em falência.
"Ele ficava com a boca azul, e
a barriga inchava muito. Precisou fazer diálise porque os rins
e o fígado pararam. No auge do
desespero, eu dizia: "Deus, ele é
seu. Eu apenas cuido. Não suporto vê-lo sofrer tanto. Se é
para ficar comigo, que seja com
saúde'", lembra a mãe, a bancária Cláudia de Melo Marques,
39, que ficou um ano longe do
trabalho para cuidar do filho.
E havia mais desafios pela
frente. Na semana que antecedeu o transplante, Rodrigo não
tinha mais veia no corpo para
receber a medicação. Os médicos não viram outra alternativa
senão abrir o tórax do menino
para injetar o remédio diretamente no coração. "Foi o sétimo caso no Brasil [a fazer o procedimento]. Era a única forma
de mantê-lo vivo", lembra a
cardiologista Estela Azeka, que
coordena a equipe clínica de
transplante infantil do InCor.
O novo coração de Rodrigo
chegou no dia 12 de dezembro
de 2007, dez dias após ele completar quatro anos. A doadora
foi uma menina de cinco anos,
de Bragança Paulista (SP), que
morreu após se sufocar com
uma uva na garganta.
"Por ocasião do transplante,
Rodrigo estava no fim, em estado terminal. Precisava de drogas para manter a pressão arterial, respirador artificial e diálise. Crianças com o mesmo quadro clínico não sobreviveram",
diz Miguel Barbosa Maciel, diretor da Unidade Cirúrgica
Cardíaca Pediátrica do InCor.
"Ele tem um anjão da guarda.
Conseguiu superar todas as
complicações que apareceram.
A resistência foi impressionante", emenda Estela Azeka.
De coração novo, em menos
de 48 horas Rodrigo já comia e
respirava sem aparelhos, mas
voltou a ter infecções e complicações renais e no fígado que o
mantiveram por mais dois meses no InCor. Também enfrentou uma depressão e teve de incorporar os antidepressivos à
imensa lista diária de remédios.
"De repente, ele ficou quieto,
parado. Não queria comer, não
queria falar, não assistia aos
DVDs que ele adora. Era um
outro Rodrigo", conta a mãe.
Para ela, o ambiente inóspito
da UTI pós-operatória detonou
o processo. "Não dava para saber se era dia ou noite, toda hora tinha gente morrendo. Eu
mesma quase enlouqueci."
Hoje, Rodrigo leva uma vida
praticamente normal, exceto
pelos remédios que precisa tomar, como os imunossupressores para evitar que o organismo
rejeite o órgão transplantado.
Adora arroz, feijão, batata e
carne. Torce o nariz para legumes e verduras. No dia da entrevista, devorou um pedaço de
pizza de frango com Catupiry.
Os quase 270 dias de permanência no InCor despertaram
no menino a paixão pela dança
e pela música sertaneja. "É
country", corrige Rodrigo, fã
das duplas sertanejas Edson e
Hudson e Rio Negro e Solimões. "Ele não se cansa de assistir aos DVDs. Dança e canta
todas as músicas. Na UTI, todo
entubado, ele ficava balançando os pés", lembra Cláudia.
O menino se apressa em
mostrar o que aprendeu durante a internação: escreve o nome
e desenha um caminhão. No
colo da mãe, diz, em inglês, as
cores dos cateteres por onde
recebia medicação. "Red, blue,
yellow, black, white."
O "momento escola" de Rodrigo dura pouco. Logo ele está
correndo e jogando bola com o
irmão, Vinícius, 10. "Ele não
pára. Parece que quer recuperar o tempo que passou na cama, cheio de fios e tubos. É uma
peça", diz o pai, o autônomo
Alexandre Marques, 38.
70%
das crianças com indicação de transplante no Incor morrem na fila de espera
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