|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Chuva e solo mole podem ter afetado obra
Diagnóstico de um acidente como o de ontem pode demorar meses ou anos de estudo, diz especialista
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Mais de 50% dos acidentes
em túneis, como o que ocorreu
ontem em São Paulo, são causados por "surpresas geológicas", segundo o engenheiro civil geotécnico André Assis, professor titular da UnB (Universidade de Brasília).
Os dados de Assis são baseados em informações colhidas
de acidentes que ocorreram em
todo o mundo -ele é um dos
maiores especialistas nessa
área no Brasil e foi presidente
da Associação Internacional de
Túneis entre 2001 e 2004.
"Os nossos diagnósticos [dos
engenheiros geotécnicos] não
são perfeitos. Há sempre uma
dose de risco. É uma deficiência que temos na engenharia de
túneis", diz Assis, comentando
em tese o que pode ter ocorrido
na obra do Metrô -o diagnóstico de um acidente como o de
ontem pode demorar meses ou
anos de estudo, segundo ele.
Dois fatores podem ter elevado o grau de imprevisibilidade
da obra naquela região: as chuvas e o fato de as escavações serem feitas num terreno em que
há uma mescla de solo mole na
superfície e rochas logo abaixo.
"A chuva é danada. Ela só
acha o que é ruim. O período de
chuvas é mais propício para
acidentes. Por isso não dá para
afastar a hipótese de que a chuva afetou o terreno", aventa.
O engenheiro civil Ricardo
Telles, secretário do Comitê
Brasileiro de Túneis, um núcleo da Associação Brasileira de
Mecânica de Solos, trabalhou
três anos nessa obra do Metrô
como funcionário da Camargo
Corrêa e diz não acreditar
"muito" na hipótese de "surpresa geológica": "O Metrô fez
uma quantidade muito grande
de sondagens nessa obra, principalmente na área do túnel
que fica perto do poço".
Sondagens
As sondagens geotécnicas foram fartas porque as obras da
Linha 4 do Metrô atrasaram
mais de dez anos. O professor
Assis conta que, como a obra
não começava, os especialistas
aproveitavam para estudar melhor o terreno. Essa linha é provavelmente a mais bem estudada do ponto de vista da engenharia de solos, segundo ele.
Telles diz que uma das hipóteses prováveis para o acidente
é a chuva -as grandes precipitações de verão podem ter desestabilizado o terreno com
suas infiltrações. Se essa hipótese estiver correta, hoje pode
ser um dia de mais desmoronamentos nas bordas do poço, segundo Telles. A meteorologia
prevê pancadas de chuva em
São Paulo.
O engenheiro conta que o cenário mais provável para o acidente é o seguinte: houve uma
ruptura no túnel que está sendo aberto para o trânsito dos
trens do metrô e essa falha se
propagou para o poço. "Isso é
praticamente certo que aconteceu. O que ninguém sabe é o
que causou a ruptura do túnel",
comenta Telles.
O tipo de solo que existe naquela região de Pinheiros pode
ser listado entre as prováveis
causas do acidente, segundo
Roberto Kochen, diretor do departamento de engenharia civil
do Instituto de Engenharia de
São Paulo e empresário no setor de geofísica.
A região em que o Metrô está
escavando os túneis é uma área
de transição geológica, de acordo com Kochen -o que os especialistas chamam de borda
de bacia geológica. Até a região
da avenida Juscelino Kubistchek, a cerca de 3 quilômetros
do ponto onde ocorreu o desabamento, o solo é de argila rígida, de acordo com Kochen.
Já na região do Butantã e de
Pinheiros, há rochas gnaisse,
um tipo de pedra como o granito, e solo de decomposição dessa rocha na superfície.
O solo da região da JK foi formado no período terciário, há
60 milhões de anos, quando
surgiram os atuais mamíferos.
Já o solo que desmoronou tem
rochas do período pré-cambriano, que vai do aparecimento da Terra, há 4,5 bilhões de
anos, até o cambriano, há cerca
de 540 milhões de anos, ainda
segundo Kochen.
Risco maior
O fato de o terreno não ser
homogêneo aumenta o risco de
deslizamentos. "Por ser uma
borda de bacia geológica, o encontro de eras geológicas diferentes, o risco de deslizamento
é sempre maior. O fato de haver
uma falha geológica eleva o risco de acidentes", afirma Kochen, que atuou como consultor numa junta internacional
que analisou um acidente similar ao de ontem, ocorrido em
1994 numa estação do metrô
junto ao aeroporto de Heathrow, na região de Londres.
Kochen participava ontem à
noite de uma reunião com engenheiros do Metrô, no local do
acidente, e levantou outra hipótese para o deslizamento:
"Aparentemente foi a parte superior do poço que desabou".
O Metrô tem pouca experiência com obras nesse tipo de
solo, segundo um engenheiro
ouvido pela Folha que prefere
não ver seu nome publicado. As
obras do Metrô nesse terreno
se restringem ao poço que ruiu
e aos túneis e poços feitos entre
o Butantã e a Vila Sônia, do outro lado do rio Pinheiros.
Texto Anterior: Odebrecht é responsável pelas obras Próximo Texto: Saiba mais: Linha 4 deverá levar 900 mil pessoas por dia Índice
|