São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Chuva e solo mole podem ter afetado obra

Diagnóstico de um acidente como o de ontem pode demorar meses ou anos de estudo, diz especialista

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Mais de 50% dos acidentes em túneis, como o que ocorreu ontem em São Paulo, são causados por "surpresas geológicas", segundo o engenheiro civil geotécnico André Assis, professor titular da UnB (Universidade de Brasília).
Os dados de Assis são baseados em informações colhidas de acidentes que ocorreram em todo o mundo -ele é um dos maiores especialistas nessa área no Brasil e foi presidente da Associação Internacional de Túneis entre 2001 e 2004.
"Os nossos diagnósticos [dos engenheiros geotécnicos] não são perfeitos. Há sempre uma dose de risco. É uma deficiência que temos na engenharia de túneis", diz Assis, comentando em tese o que pode ter ocorrido na obra do Metrô -o diagnóstico de um acidente como o de ontem pode demorar meses ou anos de estudo, segundo ele.
Dois fatores podem ter elevado o grau de imprevisibilidade da obra naquela região: as chuvas e o fato de as escavações serem feitas num terreno em que há uma mescla de solo mole na superfície e rochas logo abaixo.
"A chuva é danada. Ela só acha o que é ruim. O período de chuvas é mais propício para acidentes. Por isso não dá para afastar a hipótese de que a chuva afetou o terreno", aventa.
O engenheiro civil Ricardo Telles, secretário do Comitê Brasileiro de Túneis, um núcleo da Associação Brasileira de Mecânica de Solos, trabalhou três anos nessa obra do Metrô como funcionário da Camargo Corrêa e diz não acreditar "muito" na hipótese de "surpresa geológica": "O Metrô fez uma quantidade muito grande de sondagens nessa obra, principalmente na área do túnel que fica perto do poço".

Sondagens
As sondagens geotécnicas foram fartas porque as obras da Linha 4 do Metrô atrasaram mais de dez anos. O professor Assis conta que, como a obra não começava, os especialistas aproveitavam para estudar melhor o terreno. Essa linha é provavelmente a mais bem estudada do ponto de vista da engenharia de solos, segundo ele.
Telles diz que uma das hipóteses prováveis para o acidente é a chuva -as grandes precipitações de verão podem ter desestabilizado o terreno com suas infiltrações. Se essa hipótese estiver correta, hoje pode ser um dia de mais desmoronamentos nas bordas do poço, segundo Telles. A meteorologia prevê pancadas de chuva em São Paulo.
O engenheiro conta que o cenário mais provável para o acidente é o seguinte: houve uma ruptura no túnel que está sendo aberto para o trânsito dos trens do metrô e essa falha se propagou para o poço. "Isso é praticamente certo que aconteceu. O que ninguém sabe é o que causou a ruptura do túnel", comenta Telles.
O tipo de solo que existe naquela região de Pinheiros pode ser listado entre as prováveis causas do acidente, segundo Roberto Kochen, diretor do departamento de engenharia civil do Instituto de Engenharia de São Paulo e empresário no setor de geofísica.
A região em que o Metrô está escavando os túneis é uma área de transição geológica, de acordo com Kochen -o que os especialistas chamam de borda de bacia geológica. Até a região da avenida Juscelino Kubistchek, a cerca de 3 quilômetros do ponto onde ocorreu o desabamento, o solo é de argila rígida, de acordo com Kochen.
Já na região do Butantã e de Pinheiros, há rochas gnaisse, um tipo de pedra como o granito, e solo de decomposição dessa rocha na superfície.
O solo da região da JK foi formado no período terciário, há 60 milhões de anos, quando surgiram os atuais mamíferos. Já o solo que desmoronou tem rochas do período pré-cambriano, que vai do aparecimento da Terra, há 4,5 bilhões de anos, até o cambriano, há cerca de 540 milhões de anos, ainda segundo Kochen.

Risco maior
O fato de o terreno não ser homogêneo aumenta o risco de deslizamentos. "Por ser uma borda de bacia geológica, o encontro de eras geológicas diferentes, o risco de deslizamento é sempre maior. O fato de haver uma falha geológica eleva o risco de acidentes", afirma Kochen, que atuou como consultor numa junta internacional que analisou um acidente similar ao de ontem, ocorrido em 1994 numa estação do metrô junto ao aeroporto de Heathrow, na região de Londres.
Kochen participava ontem à noite de uma reunião com engenheiros do Metrô, no local do acidente, e levantou outra hipótese para o deslizamento: "Aparentemente foi a parte superior do poço que desabou".
O Metrô tem pouca experiência com obras nesse tipo de solo, segundo um engenheiro ouvido pela Folha que prefere não ver seu nome publicado. As obras do Metrô nesse terreno se restringem ao poço que ruiu e aos túneis e poços feitos entre o Butantã e a Vila Sônia, do outro lado do rio Pinheiros.


Texto Anterior: Odebrecht é responsável pelas obras
Próximo Texto: Saiba mais: Linha 4 deverá levar 900 mil pessoas por dia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.