São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 2000


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SEM PÁTRIA
Dupla enfrenta drama após condenação; Itamaraty nega documento por não acreditar em readaptação
EUA querem deportar brasileiro adotado

MARCIO AITH
enviado especial a Medina, Ohio

Joao Herbert e Djavan Arams Silva foram adotados legalmente por casais norte-americanos em 1986 e 1987, quando tinham 7 e 10 anos e moravam em orfanatos na cidade de São Paulo.
Eles viveram durante 13 e 14 anos com seus pais adotivos, nos Estados de Ohio e de Massachusetts. Estudaram em escolas norte-americanas, foram aceitos pela comunidade de suas cidades e perderam todos os vínculos com o Brasil -inclusive com a língua portuguesa, que não falam nem entendem.
Julgavam-se norte-americanos. Até que violaram a lei e foram condenados por tráfico de drogas (em 1996, Joao -assim, sem o til- tentou vender uma pequena quantidade de maconha a um conhecido) e desacato à autoridade e agressão a um policial (Djavan resistiu a uma batida policial, também em 1996).
Enquanto cumpriam suas penas há dois anos, os dois foram avisados pelo governo dos EUA de que seriam deportados para o Brasil assim que suas condenações fossem cumpridas.
O serviço de imigração dos EUA afirma que ambos são brasileiros, apesar de adotados legalmente por pais norte-americanos, e que devem ser expulsos do país assim que pagarem sua dívida com a sociedade.
Os EUA justificam sua decisão com base em duas leis altamente controversas. A primeira, que cuida de adoções no país, só garante cidadania a crianças que forem naturalizadas pelos pais. Os EUA são o único país no mundo desenvolvido onde isso ocorre.
A outra lei foi aprovada em 1996, após o atentado que destruiu um prédio federal em Oklahoma. Ela determina que os estrangeiros condenados por qualquer crime sejam deportados depois que cumprirem pena.
Não há recurso contra a decisão de deportá-los e a lei não abre exceções para crianças estrangeiras adotadas por famílias norte-americanas.
No mês passado, o serviço de imigração dos EUA pediu ao governo brasileiro os documentos de viagem necessários para que ambos fossem deportados.
Por orientação formal do Itamaraty em Brasília, o governo brasileiro negou o pedido, alegando que a adoção é um ato irrevogável. O Itamaraty alega ainda que os dois jovens não têm mais as mínimas condições de adaptarem-se ao país onde nasceram e de onde foram tirados há mais de uma década por casais que prometeram à Justiça brasileira que os tratariam como filhos.
Diante da resistência brasileira em cooperar com os EUA, o serviço de imigração dos EUA em Cleveland, que cuida do caso de Herbert, diz que, sem os documentos necessários para a deportação, ele ficará preso indefinidamente, até que um terceiro país o aceite. "Não há outra solução", disse à Folha Mark Hansen, responsável pela diretoria do serviço de imigração na região onde Herbert está preso, na pequena cidade de Medina (100 km de Cleveland).
De dentro de seu uniforme escuro, fornecido aos presos estrangeiros e aos mais perigosos, Joao Herbert diz não entender o que está ocorrendo.
"É como se eu não tivesse país, como se não pertencesse a lugar nenhum", disse ele à Folha. "Nasci brasileiro, me transformei em americano e querem que vire brasileiro de novo. Por mais que me dêem tempo de graça para pensar aqui na cadeia, não consigo entender. Aliás, não consigo mais aguentar, já paguei pelo crime que cometi."
Nenhum dos pais adotivos dos dois jovens os haviam naturalizado. Eles alegam falta de informação e argumentam (equivocadamente) que seus filhos adotivos perderiam a nacionalidade brasileira se assim o fizessem.
"Eu queria que meu filho, quando crescesse, optasse por sua própria nacionalidade. É por essa razão que não dei entrada nos papéis", diz Jim Herbert, pai de Joao que o visita quase que diariamente na cadeia. "Ele é meu filho e eu o quero comigo."
Jim esteve errado durante todos esses anos, mas só descobriu agora. Depois do caso de Joao, deu início ao processo de naturalização de seu outro filho adotado no Brasil, Daniel Herbert.
O caso de Silva é formalmente igual ao de Herbert, mas sua situação é mais dramática. Seus pais adotivos não o visitam e não querem mais se relacionar com ele. Um diplomata brasileiro informou que Silva precisa de ajuda psicológica. Preso numa penitenciária na Pensilvânia, ele sofre de forte depressão.


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