UOL


São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASQUALE CIPRO NETO

"Fulana de Tal, vulga..."

Nos últimos textos, tratamos do emprego do adjetivo com valor de advérbio. Na semana passada, vimos que em "A cerveja que desce redondo" o termo "redondo" é usado no lugar de "redondamente", ou seja, funciona como advérbio e, por isso, não sofre variação.
Na frase da cerveja, ocorre um fato mais do que comum em nossa língua, do qual não custa relembrar outros exemplos: "Elas me olharam torto", "Nossas equipes perderam feio", "A bola foi direto para o gol", "Suje-se Gordo!" (nome de um antológico conto de Machado de Assis) etc. Em "Suje-se Gordo!", por exemplo, "gordo" entra no lugar de "gordamente".
Posto isso, vejamos um caso interessante. Há alguns dias, um radialista informou que determinado bandido "pode ter tido algum envolvimento com Andrea Gomes Kalid, vulga Lili Carabina, morta em novembro do ano passado". Vulga? É assim mesmo? Não é. É "vulgo", seja para homens, seja para mulheres.
"Vulgo" vem do latim. Como substantivo, pode significar "o povo", "a plebe", "o comum dos homens", "a pluralidade das pessoas". Desse valor, o "Houaiss" dá este exemplo: "A música que mais agrada ao vulgo nem sempre é a melhor". Como advérbio, "vulgo" pode significar "na língua vulgar", "vulgarmente". Dessa acepção, o "Houaiss" dá este exemplo: "O Salmo salar, vulgo salmão".
Como se vê, Andrea Gomes Kalid era chamada vulgarmente de "Lili Carabina", ou seja, era Andrea G. Kalid, vulgo (e não "vulga") Lili Carabina.
Talvez seja bom lembrar algumas das palavras da família de "vulgo": "vulgar", "invulgar", "divulgar", "divulgação", "vulgarizar" etc. "Divulgar", por exemplo, nada mais é do que "tornar público". "Invulgar" é "o que não pertence ao vulgo", ou seja, é "incomum", "raro", "especial".
No português antigo, havia a variante "devulgar", que se encontra neste trecho de "Os Lusíadas", de Luís de Camões, citado pelo "Aurélio": "Vereis um novo exemplo / De amor dos pátrios feitos valerosos / Em versos devulgados numerosos". O "Houaiss" também registra a variante, com a ressalva de que resulta de "alteração equivocada de grafia".
Bem, o (inadequado) emprego de "vulga" no lugar de "vulgo" nos remete a outros casos de concordância. Um deles é o da palavra "todo", que não deve sofrer flexão quando participa do adjetivo composto "todo-poderoso": "o todo-poderoso ministro", "a todo-poderosa ministra", "os todo-poderosos ministros", "as todo-poderosas ministras". A razão disso é muito simples: nos adjetivos compostos, o primeiro elemento nunca varia. A exceção fica por conta de "surdo-mudo" ("menino/s surdo/s-mudo/s", "menina/s surda/s-muda/s").
Substantivado, o composto "todo-poderoso" segue os mesmos passos, o que significa que não há flexão de "todo": "Deverão reunir-se os todo-poderosos/as todo-poderosas do planeta".
Outro caso digno de nota é o de "pseudo", elemento de composição que, na língua formal, não sofre flexão: "pseudotumor", "pseudo-advogada", "pseudomédica". Convém lembrar que "pseudo" é seguido de hífen apenas quando se associa a elemento que começa por "h", "r", "s" e vogal. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.

E-mail - inculta@uol.com.br


Texto Anterior: Brecha pode permitir exploração de áreas públicas
Próximo Texto: Trânsito: Av. do Estado terá bloqueio de dois meses
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.