|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PASQUALE CIPRO NETO
"Fulana de Tal, vulga..."
Nos últimos textos, tratamos do emprego do adjetivo
com valor de advérbio. Na semana passada, vimos que em "A cerveja que desce redondo" o termo
"redondo" é usado no lugar de
"redondamente", ou seja, funciona como advérbio e, por isso, não
sofre variação.
Na frase da cerveja, ocorre um
fato mais do que comum em nossa língua, do qual não custa relembrar outros exemplos: "Elas
me olharam torto", "Nossas equipes perderam feio", "A bola foi direto para o gol", "Suje-se Gordo!"
(nome de um antológico conto de
Machado de Assis) etc. Em "Suje-se Gordo!", por exemplo, "gordo"
entra no lugar de "gordamente".
Posto isso, vejamos um caso interessante. Há alguns dias, um radialista informou que determinado bandido "pode ter tido algum
envolvimento com Andrea Gomes Kalid, vulga Lili Carabina,
morta em novembro do ano passado". Vulga? É assim mesmo?
Não é. É "vulgo", seja para homens, seja para mulheres.
"Vulgo" vem do latim. Como
substantivo, pode significar "o povo", "a plebe", "o comum dos homens", "a pluralidade das pessoas". Desse valor, o "Houaiss" dá
este exemplo: "A música que mais
agrada ao vulgo nem sempre é a
melhor". Como advérbio, "vulgo"
pode significar "na língua vulgar", "vulgarmente". Dessa acepção, o "Houaiss" dá este exemplo:
"O Salmo salar, vulgo salmão".
Como se vê, Andrea Gomes Kalid era chamada vulgarmente de
"Lili Carabina", ou seja, era Andrea G. Kalid, vulgo (e não "vulga") Lili Carabina.
Talvez seja bom lembrar algumas das palavras da família de
"vulgo": "vulgar", "invulgar",
"divulgar", "divulgação", "vulgarizar" etc. "Divulgar", por exemplo, nada mais é do que "tornar
público". "Invulgar" é "o que não
pertence ao vulgo", ou seja, é "incomum", "raro", "especial".
No português antigo, havia a
variante "devulgar", que se encontra neste trecho de "Os Lusíadas", de Luís de Camões, citado
pelo "Aurélio": "Vereis um novo
exemplo / De amor dos pátrios feitos valerosos / Em versos devulgados numerosos". O "Houaiss"
também registra a variante, com
a ressalva de que resulta de "alteração equivocada de grafia".
Bem, o (inadequado) emprego
de "vulga" no lugar de "vulgo"
nos remete a outros casos de concordância. Um deles é o da palavra "todo", que não deve sofrer
flexão quando participa do adjetivo composto "todo-poderoso":
"o todo-poderoso ministro", "a
todo-poderosa ministra", "os todo-poderosos ministros", "as todo-poderosas ministras". A razão
disso é muito simples: nos adjetivos compostos, o primeiro elemento nunca varia. A exceção fica por conta de "surdo-mudo"
("menino/s surdo/s-mudo/s",
"menina/s surda/s-muda/s").
Substantivado, o composto "todo-poderoso" segue os mesmos
passos, o que significa que não há
flexão de "todo": "Deverão reunir-se os todo-poderosos/as todo-poderosas do planeta".
Outro caso digno de nota é o de
"pseudo", elemento de composição que, na língua formal, não sofre flexão: "pseudotumor", "pseudo-advogada", "pseudomédica".
Convém lembrar que "pseudo" é
seguido de hífen apenas quando
se associa a elemento que começa
por "h", "r", "s" e vogal. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
Texto Anterior: Brecha pode permitir exploração de áreas públicas Próximo Texto: Trânsito: Av. do Estado terá bloqueio de dois meses Índice
|