São Paulo, segunda-feira, 13 de março de 2006

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"Não se acaba o terror com beijinhos"

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O Rio turístico de Ipanema e Copacabana, que acompanha pela TV e pelos jornais a ação dos falcons armados de fuzis em morros da cidade, fala muito sobre a ação militar. Em grande medida, apóia-a. "O Exército tem de usar os blindados para arrombar as ruelas dos morros. Onde já se viu um lugar onde a polícia não consegue entrar?", pergunta o estudante cearense de direito Alfredo de Freitas, 23, radicado em Copacabana.
"Tomara que nunca encontrem essas armas, para o Exército nunca sair dos morros", diz a prostituta Fernanda da Silva, autodefinida "negra e pobre, como os favelados", da Ilha do Governador, que se oferecia aos turistas na avenida Atlântica, zona sul do Rio, na semana passada.
O motorista de táxi D.F. desabafa: "Olha, não tinha mais jeito. A cidade vive aterrorizada e a polícia do Rio, corrupta como é, não consegue mais dar conta dessa violência toda".
Na festinha familiar de aniversário na Tijuca, zona norte do Rio, um brinde silencioso é feito à ação. "Não se acaba com o terror dos traficantes com beijinhos e abraços. Sabe como é que se acabou com o seqüestro na cidade? Com a polícia torturando para obter informações e, depois, matando os bandidos. Sinto muito, mas não tem mais conversa", diz um convidado, militante histórico do PT. Detalhe: a festa contava com vários "companheiros", que faziam "sim" com a cabeça.

Nem contra nem a favor
E sobra indefinição, mesmo em quem se esperaria opositor à ação militar. O coronel reformado da Polícia Militar, hoje secretário estadual de Direitos Humanos do Rio, Jorge da Silva, por exemplo. "Queria ver se condomínios de classe média estivessem sendo sitiados, em vez dos morros", diz. "Queria ver se o adolescente morto por tiro de fuzil, em vez de morador de morro, fosse de Ipanema." (Ele se refere ao jovem Eduardo dos Santos, 16, morto por tiro de fuzil -não se sabe se do tráfico ou do Exército).
"Então o senhor é contra a ocupação dos morros?", perguntou a Folha ao secretário. "Não ponha que sou contra, não."
Convidado a subir o morro da Providência, vizinho da secretaria, para ouvir os moradores, o secretário declinou: "Agora não posso. Vou dar entrevista sobre agressões a homossexuais". E depois, secretário? "Fica para a semana que vem."
O antropólogo Rubem Cesar Fernandes, da ONG Viva Rio, que encarnou a oposição mais renhida à comercialização de armas de fogo, no referendo sobre o desarmamento, agora não é contra nem a favor da ação do Exército.
"Eu já me ferrei muito com esse negócio de sim ou não", disse Fernandes, lembrando da derrota no referendo. Segundo ele, "deveria ter havido mais controle sobre os arsenais do Exército, em vez de tanta pirotecnia. De todo modo, a situação da cidade é tão grave, que a ação militar fica até justificável."
A secretária de uma ONG "defensora da favela", o Afro Reggae, assim justificou que a entidade não se posicione em relação à ação militar: "Nós mediamos conflitos. Não poderemos mediar se opinarmos".


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