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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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EDUCAÇÃO

Disputa interna no PT entre duas correntes pedagógicas seria a causa da lentidão na implantação do programa

Projeto contra analfabetismo não decola

ARMANDO PEREIRA FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Três meses depois, o projeto de combate ao analfabetismo -uma das estrelas do governo Lula- não decolou.
Educadores, secretários municipais da área, congressistas de dentro e de fora do PT consideram que há lentidão -alguns falam em "imobilismo".
Integrantes do partido duvidam até da viabilidade de educar 20 milhões de analfabetos em quatro anos, como propôs o governo.
Até o MEC (Ministério da Educação) fez uma alteração sintomática no nome do programa. Era Analfabetismo Zero. Passou a ser Brasil Alfabetizado.
Todos apontam como fator responsável dessas dificuldades a falta de diretrizes claras sobre como será o programa.

Correntes opostas
Uma disputa interna no partido entre duas correntes pedagógicas teria sido a causa de tudo. Havia divergências sobre qual método de ensino escolher.
Um dos modelos era o defendido pela ex-deputada federal Esther Grossi (PT-RS), que usa professores profissionais e promete alfabetizar em três meses.
O outro era o Mova (Movimento de Alfabetização), usado, por exemplo, pela prefeitura petista de São Paulo. Alfabetiza no período de seis meses a um ano e usa monitores leigos.
Para não criar atritos, o ministro Cristovam Buarque escolheu um engenheiro agrônomo, em vez de um educador, para a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo.
A idéia era evitar o favorecimento de uma corrente ou de outra. A ordem do ministro foi utilizar todos os modelos possíveis de alfabetização.
Todos elogiam a disposição do ministério em apoiar experiências já realizadas.

Falta de iniciativa
O problema é que nenhuma ação nova foi implantada por iniciativa do governo federal. O MEC promete assinar os primeiros convênios só nesta semana (veja texto nesta página).
"Hoje é um imobilismo, um tudo-vale", diz Liana Borges, mestre em educação e integrante da Comissão de Assuntos Educacionais do PT. Borges defende a adoção do Mova.
"O Mova tem dado certo nas experiências de administrações petistas. O que o governo federal está fazendo é passar uma borracha em cima dessa experiência. E por isso há uma certa rebelião política e pedagógica [no partido]."
Para a educadora, é importante "dialogar com todo mundo, respeitar e acolher todas as experiências", mas não pode deixar de haver definições.
"O Estado tem de ser indutor da política de educação de adultos. Tem de ter política pública, porque senão o movimento [de alfabetização" não vai acontecer."
Ela diz que a meta de alfabetização total em quatro anos deve ser perseguida, mas é "impossível" de ser atingida.
A avaliação de que falta iniciativa do MEC é compartilhada pela outra ponta dessa disputa.
A professora Esther Grossi, defensora da metodologia que promete alfabetizar em três meses, afirma que falta articulação ao ministério.
"Atualmente, o MEC trata de atender as demandas, mas não está sendo ele mesmo um articulador e um tomador de iniciativas", declara Grossi.
Ela elogia o apoio dado aos diferentes projetos, diz que se sente no governo, mas faz reparos.
"Quando não há uma iniciativa [do governo], há alguns professores fazendo [alfabetização", mas não chega a ser concatenado, articulado", afirma.

Otimismo cauteloso
Mesmo quem está otimista com o futuro do programa admite que há atraso. É o caso do deputado federal Chico Alencar (PT-RJ), membro da comissão de Educação da Câmara.
"Ainda não foram realizados fóruns nacionais para a implementação da política pública de alfabetização. Por enquanto, estamos numa fase preliminar. Daqui a uns dois meses, acho que a gente vai ter vários pólos funcionando."
A deputada federal Raquel Teixeira (PSDB-GO), também da comissão de Educação da Câmara, diz que está otimista, mas avalia que, por enquanto, há uma "paralisia" no MEC e "nenhum programa do ministério está em pleno funcionamento".
A socióloga, pesquisadora da Unesco e integrante da Comissão Nacional dos Fóruns de Educação Eliane Ribeiro Andrade avalia que a demora do programa não é tão grande. "Sei que estão correndo o Brasil inteiro para organizar esses convênios."
Mas a socióloga também sente falta de uma diretriz federal. "Estamos aguardando a política pública para a educação de jovens e adultos no país. Qual é essa política?", questiona.
Vera Masagão, coordenadora-geral da ONG Ação Educativa, de São Paulo, reforça a necessidade de uma política geral.
"Acho que o ministério não deveria descer ao detalhe técnico de definir um método [de alfabetização], mas poderia elencar alguns princípios para nortear. Nesse sentido, de alguns parâmetros, acho que de fato está faltando."


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