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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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GILBERTO DIMENSTEIN

Brasil, país de tolos?

Com o apoio do PSDB, o PFL encabeça um movimento para aumentar o salário mínimo, aparentando indignação com o reajuste oferecido pelo presidente Lula, hoje montado no slogan "Brasil, um país de todos".
A oposição argumenta que um salário mínimo tão desprezível, de R$ 240, mantém o Brasil como um país de poucos. Até pouquíssimo tempo atrás, PSDB e PFL mostravam-se compreensivos com as dificuldades para um reajuste maior, atentos aos gastos com as aposentadorias. O PT fazia o habitual show, típico de quem não tem compromissos com a administração.
Lula defende-se com o mesmo argumento -incômodo, mas correto- de Fernando Henrique Cardoso, consciente de que aumentos salariais não dependem de vontade, mas da realidade.
Parece, na verdade, que somos um país de tolos; e de alguns poucos espertos. A semana passada foi generosa em exemplos.
Um documento divulgado na quinta-feira pelo Ministério da Fazenda afirma que o desequilíbrio financeiro da Previdência é o maior empecilho para o desenvolvimento econômico e social do país. Fácil entender: o buraco em todos os níveis do setor público é de R$ 55 bilhões em apenas um ano. Basta lembrar que o Fome Zero tem um orçamento previsto de R$ 1,8 bilhão.
De duas, uma: ou a cúpula do PT fez um curso intensivo nos quatro últimos meses sobre os números mais elementares da realidade brasileira ou sabiam da gravidade do problema e foram levianos. Traduzindo: eram desinformados ou irresponsáveis
O partido fez parte da barragem que ajudou a evitar as modificações na legislação, que protegia não direitos, mas privilégios. "O PT estava disputando o poder", disse, anteontem, o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, ao explicar as motivações do partido na posição contrária às reformas.
O presidente dizia-se espantado com os valores das aposentadorias milionárias de servidores públicos -disparates conhecidos publicamente pelo menos desde que Fernando Collor de Mello falava nos marajás.
Julgamentos à parte, perdeu-se tempo e dinheiro porque a classe política não enfrentou com seriedade uma fonte de rombos orçamentários.
Enquanto o PFL, transformando-se em uma espécie de neo-PT, descobria a solidariedade com o trabalhador, Lula anunciava o monumental aumento para o funcionalismo -esse funcionalismo que, segundo dizia nos palanques, fora massacrado pelos governo. O aumento médio é de 3,5%, o que não cobre nem sequer a inflação. Novamente, a oposição mostra-se indignada com a sorte dos servidores públicos.
Lula só está fazendo o que deve mesmo fazer: sentar em cima dos cofres públicos. Sabe que a generosidade para atender às pressões corporativas pode ser uma salvação individual, mas é uma tragédia coletiva.
O PT mudou (para melhor, diga-se) de opinião tão rapidamente que às vezes comete, por cacoete, deslizes. Também na semana passada, Lula, para criticar programas sociais anteriores, criticou o assistencialismo; justo ele que fez do Fome Zero um exemplo de assistencialismo. Aliás, saem pedindo ajuda da sociedade, mas, pelos bastidores, comenta-se que não haverá tempo para se gastar a verba já disponível para combater a desnutrição.
Tira-se de um lado e cobre-se do outro: o governo corta pesadamente o Orçamento, mas anuncia que vai abrir mão dos impostos para quem contratar jovens. A idéia até faz sentido, mas não se sabe quem vai pagar a conta.
Bobagem ficar remoendo muito o passado e cobrar excesso de coerência dos políticos. Essencial é ver como a falta de uma articulação em torno de interesses básicos da nação tem atrapalhado (e muito) a volta do crescimento econômico e a aplicação de maiores investimentos sociais.
A vantagem hoje é que a oposição ficou tanto tempo no poder que sabe das limitações orçamentárias. E o PT, por ter defendido por tanto tempo medidas descabidas, apenas de efeito eleitoral, dispõe, por enquanto, de cacife moral para investir contra privilégios e conter pressões corporativistas. Seria uma tragédia se, por tolices e mesquinharias, perdêssemos essa vantagem.
PS - A semana passada fez lembrar uma das maiores tolices sociais. A Fundação Getúlio Vargas e o Comitê para Democratização da Informática (CDI) divulgaram o mais completo levantamento sobre a exclusão digital no Brasil. Melhoramos, mas a situação ainda é ruim. A tolice: arrecadaram-se dos usuários de telecomunicações R$ 2,1 bilhões para programas de inclusão digital. Não se gastou um único centavo dessa verba devido à guerra entre grupos políticos e econômicos.
E-mail - gdimen@uol.com.br

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