São Paulo, terça-feira, 13 de abril de 2004

Próximo Texto | Índice

RIO SOB TENSÃO

Sob ataque de traficantes, comandante da PM teve de se refugiar; mais dois supostos criminosos foram mortos e 16 foram presos

1.300 policiais não asseguram paz à Rocinha

MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO

A favela da Rocinha (zona sul do Rio) foi ocupada ontem por cerca de 1.300 policiais civis e militares, numa das maiores operações já realizadas pela polícia do Rio. Dois supostos traficantes foram mortos, aumentando para dez o número de mortes na região desde a madrugada de sexta-feira. Um outro suspeito de integrar o tráfico ficou ferido.
A operação, chefiada pelo próprio comandante-geral da Polícia Militar, Renato Hottz, não intimidou os traficantes, que, escondidos no alto da favela, reagiram a tiros. De manhã, Hottz coordenava uma equipe de policiais na localidade conhecida como Curva do S quando os criminosos soltaram fogos e fizeram disparos. Ele se refugiou atrás de uma caçamba de lixo para não ser atingido.
Os traficantes também impediram a polícia de socorrer uma mulher em trabalho de parto. Os policiais tiveram que chamar uma ambulância do Corpo de Bombeiros, que realizou o parto na rua.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, 16 supostos traficantes foram presos na operação de ontem na Rocinha e 28 armas foram apreendidas (entre elas três fuzis e duas granadas). Quinze veículos roubados foram recuperados. Nenhum dos presos integraria a cúpula do tráfico.
A ação foi desencadeada para impedir que a guerra entre traficantes rivais da Rocinha fizesse mais vítimas. Na madrugada de sexta-feira, uma tentativa de invasão à favela a partir do vizinho morro do Vidigal deixou dois moradores mortos. Na mesma noite, num bloqueio de traficantes na avenida Niemeyer, próxima ao Vidigal, uma mulher foi morta com um tiro na cabeça por não obedecer à ordem de parar.
A polícia acredita que atuem na Rocinha cerca de 200 traficantes ligados a Luciano Barbosa da Silva, o Lulu, que controla os pontos-de-venda de drogas na favela. O comandante do 23º Batalhão (Leblon, zona sul), tenente-coronel Jorge Braga, disse ter recebido informações de que pelo menos dez traficantes ligados a Eduíno Eustáquio de Araújo Filho, o Dudu, rival de Lulu e líder da tentativa de invasão, ainda estariam escondidos na Rocinha.
Apesar de a favela estar ocupada por tempo indeterminado, Hottz disse não descartar a hipótese de novos confrontos ocorrerem nas próximas horas. Ele não quis comentar o episódio em que teria sido alvo de tiros.
"Você é contra a polícia, sempre assume uma postura crítica contra a polícia, com você não tem mais papo", disse Hottz ao repórter da Folha.
Durante todo o dia, os policiais que ocuparam a Rocinha revistaram casas e moradores, além de carros e ônibus que entravam na comunidade, onde moram, segundo o Censo 2000, 56 mil pessoas. Eles circulavam expondo seus fuzis e pistolas. Os policiais também vasculharam a mata que separa o Vidigal da Rocinha, à procura de traficantes, mas ninguém foi encontrado.
Por volta do meio-dia, um grupo de PMs foi recebido a tiros por um traficante que estava escondido em uma casa na favela. Os policiais revidaram e o homem, conhecido apenas como Maurinho, foi morto com um tiro no peito.
O corpo foi retirado da favela dentro de um carrinho de mão. Os policiais circularam com o cadáver pela rua do Valão, uma das mais movimentadas da Rocinha.
Outros dois supostos traficantes foram baleados em outro tiroteio em um diferente ponto da Rocinha. Um deles morreu.

Ameaça a jornalistas
O clima ficou tenso também para os jornalistas que estavam na favela. No início da manhã, foram captadas, por meio de radiotransmissores, ameaças de traficantes aos repórteres e fotógrafos. Em um dos trechos captados, os traficantes diziam: "Vamos meter bala nos repórteres".
Um dos presos ontem foi identificado como Marcelo de Souza, 30. Sua mãe, Maria Rozilda da Silva, 35, se desesperou com a prisão. "Meu filho acabou de sair da prisão e estava desempregado, fazendo alguns biscates", disse.
Antes da operação na Rocinha, uma das maior ações da polícia do Rio ocorreu em setembro de 2002, no complexo de favelas do Alemão (zona norte do Rio). Cerca de mil dos 50 mil policiais da cidade foram mobilizados para a prisão do traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, acusado do assassinato do jornalista Tim Lopes.
Das dez pessoas mortas na Rocinha desde sexta-feira, três eram moradores da favela, atingidos por balas perdidas. Os outros foram dois policiais, quatro supostos traficantes e a mineira Telma Veloso, 38, morta na avenida Niemeyer. Desde sexta-feira, 25 supostos traficantes foram presos.
O inspetor Marco Antônio Rúbia, da DRFA (Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis), que participou de operação na Rocinha no domingo, disse que ficou surpreso com a boa recepção dos moradores, que chegaram a oferecer café aos policiais civis.
Há dois meses, policiais militares foram acusados por moradores de matar na Rocinha dois adolescentes que não teriam relação com o tráfico de drogas.


Próximo Texto: "Bocas" movimentam R$ 50 mi/mês
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.