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DANUZA LEÃO
Uma obra
Mas vai ter que ir até o
fim, pois obra é das poucas coisas no mundo que não
se pode largar no meio
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A COISA MAIS DIFÍCIL que existe
no mundo é acabar uma obra.
No começo é aquele entusiasmo, aquela alegria; o dia passa
rápido, e na hora de dormir só se deseja uma coisa: que a noite acabe logo para que o amanhã seja ainda melhor que o de hoje, cheio de novidades e descobertas. De que estávamos
falando, de um casamento ou de
uma obra? Não importa, é quase a
mesma coisa -com todo o respeito.
Agora, a sério: a primeira parede
derrubada é um sonho, de tão bom.
Sai o sofá, testemunha de acontecimentos trepidantes, sai a mesa onde
você serviu as mais deliciosas comidinhas para vários namorados, uns
que valeram a pena e outros que é
melhor nem lembrar. No dia em que
sai a cama, é como uma lavagem cerebral. Ah, daqui para a frente, tudo
vai ser diferente -completamente
diferente, com a ajuda de Deus.
Chega a hora de escolher os revestimentos; o banheiro vai ser de que
cor? Uma jacuzzi, ou uma banheira
normal? A sala vai ter que combinar
com seu atual estado de espírito, é
claro. Em tons dramáticos ou tipo
clean? Cheia de objetos ou totalmente despojada?
Já sabendo que é sujeita a mudanças, é bom não jogar nada fora. Manda embalar, põe no sótão do sítio de
alguma amiga, porque como já se conhece bem, no próximo ano pode
querer mudar tudo de novo.
Mas os meses vão passando e um
dia você acorda cansada. Aquele
cheiro de poeira já não é mais tão delicioso, e ter que passar por cima do
entulho para chegar à cozinha
-bem, existem maneiras mais agradáveis de viver. Mas vai ter que ir até
o fim, pois obra é das poucas coisas
no mundo que não se pode largar no
meio. Ah, para que foi inventar?
Deus é grande, só que a paciência e
o dinheiro vão acabando, a casa não
fica pronta e tem que tomar 500 decisões por dia. "A senhora vai querer
a tomada de telefone da sala em que
lugar?" Difícil saber, se ainda nem
decidiu onde vai colocar o sofá. "E a
tomada da televisão?", isso com o
eletricista em pé na sua frente, esperando a resposta, que tem que ser rápida. Só um homem consegue tomar
decisões tão rápidas -um homem,
pelo amor de Deus.
Mas pensa: quis ser independente,
viver sozinha, desfrutar da mesma
liberdade que eles, então agora resolva, e rapidinho. Ai.
Resolve; provavelmente mal, mas
resolve, e as coisas vão andando.
Sem o mesmo entusiasmo, a mesma
alegria, a mesma paixão dos primeiros tempos, é bem verdade, mas indo. Até que um dia o chefão da obra
-que não te agüenta mais nem você
a ele- comunica que está tudo
pronto. Você, que tinha pedido guarita na casa de uma amiga nos últimos 15 dias, se instala, radiante. E aí
começa a segunda etapa.
O chão de mármore, que havia sido polido por um alto especialista,
está imundo e arranhado; a estante
precisando de mais duas prateleiras,
o que implica chamar o carpinteiro
-que sumiu do mapa- e depois o
lustrador. As lindas plantas estão todas respingadas de tinta e você bem
sabe quanto custa um vasinho hoje
em dia. E o cinto preto de St. Laurent que custou 100, onde está? E
a pulseira do Marrocos? Só falta
procurar no freezer, mas aí seria
demais. Colocar os quadros, só
com bucha; o controle remoto sumiu, aquele anel que deixou dentro
do cinzeiro desapareceu, a base do
telefone sem fio se evaporou; olha
e vê os preciosos CDs cheios de
poeira, dentro de um saco de lixo
azul que já estava indo com o último entulho, ai meu Deus.
Quando abre os armários, que
deixou trancados, vê os cabides cobertos de poeira, aquela bem grossa; imagine os vestidos, como não
devem estar. Difícil, o fim de uma
obra; passa pela cabeça que talvez
seja mais fácil acabar com um casamento.
Isso quando a obra não acaba
com o casamento.
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