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INTOXICAÇÃO
Laudo da Fiocruz enfraquece a tese de contaminação residual do Celobar, apresentada pelo laboratório Enila
Remédio tinha 14% de substância venenosa
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
A versão de que a contaminação
do medicamento Celobar ocorreu
de forma acidental, por resíduos
que não teriam sido lavados do
equipamento do fabricante, perdeu força com o laudo final da
Fiocruz (Fundação Oswaldo
Cruz). A análise aponta a presença de 14% de carbonato de bário,
substância usada em veneno para
ratos, em uma amostra de 100
gramas do remédio.
O lote 3040068 do Celobar, contraste utilizado para destacar órgãos em exames radiológicos, é
suspeito de causar a morte de pelo
menos 21 pessoas no país.
"Não me parece o percentual de
um resíduo. Resíduo é 1%, 2%. O
percentual encontrado é enorme,
dada a toxicidade do produto",
afirmou ontem à Folha o diretor
do INCQS, André Gemal.
A versão de que a contaminação
ocorreu por um problema na limpeza dos equipamentos foi divulgada pelo diretor-presidente do
laboratório Enila, Márcio D'Icarahy, fabricante do medicamento.
Ele disse à polícia que o químico
da empresa esqueceu de lavar as
máquinas após usá-las em uma
tentativa de transformar cerca de
600 quilos de carbonato de bário
em sulfato de bário, produto não-tóxico normalmente usado no
Celobar. D'Icarahy disse ainda
que o material resultante da experiência foi descartado.
"Se esqueceram de lavar uma tina, um equipamento, seria provável encontrar uma contaminação
de menos de 1%", afirmou Anthony Wong, especialista em toxicologia da USP.
Representantes do Enila não foram localizados pela Folha no final da tarde de ontem, horário em
que a reportagem soube do resultado do exame da Fiocruz.
Ainda de acordo com Gemal,
uma contaminação poderia ser
rapidamente percebida pelo laboratório com um teste simples.
"Não exige alta tecnologia", afirmou o diretor do INCQS.
A farmacopéia norte-americana
(que reúne regras da fabricação
de remédios) diz que não se admite mais do que 0,001% de sais solúveis de bário, como o carbonato, em produtos farmacêuticos.
Os 14 gramas encontrados são
suficientes para matar. A dose letal do carbonato de bário é de 1 a
15 gramas. Para a maioria das pessoas, 3 gramas já são letais. A análise do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da
Fiocruz será expedida hoje para a
polícia do Rio de Janeiro.
Antes mesmo do laudo, a polícia já duvidava da versão de que a
contaminação tinha sido causada
por resíduos. O foco da investigação é a distribuição irregular do
produto resultante da tentativa de
transformar carbonato de bário
em sulfato de bário.
O resultado do órgão da Fiocruz
é corroborado por análise paralela realizada pelo Laboratório de
Métodos de Extração e Separação
da UFG (Universidade Federal de
Goiás) -a maior parte das vítimas do contraste contaminado é
do Estado. Foram encontrados
12,37% de carbonato de bário em
amostras de 100 gramas do produto analisadas.
Segundo André Gemal, a diferença dos resultados da Fiocruz e
da UFG não é significativa.
Com base no resultado, o coordenador do laboratório goiano,
Nelson Roberto Antoniosi Filho,
estima que mais de 100 quilos de
carbonato de bário podem ter sido usados no lote suspeito, com
4.500 frascos de 150 ml de Celobar. O Enila comprou cerca de
600 quilos do produto. "É cerca de
um quinto do que eles tinham. É
uma quantidade grande."
A UFG também analisou lote de
contraste de outra marca, o Bariogel, e não encontrou nenhum
problema no produto. A análise
das vísceras das vítimas será feita
pelo Instituto Médico Legal de
Goiânia.
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