UOL


São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 2003

Próximo Texto | Índice

INTOXICAÇÃO

Laudo da Fiocruz enfraquece a tese de contaminação residual do Celobar, apresentada pelo laboratório Enila

Remédio tinha 14% de substância venenosa

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

A versão de que a contaminação do medicamento Celobar ocorreu de forma acidental, por resíduos que não teriam sido lavados do equipamento do fabricante, perdeu força com o laudo final da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). A análise aponta a presença de 14% de carbonato de bário, substância usada em veneno para ratos, em uma amostra de 100 gramas do remédio.
O lote 3040068 do Celobar, contraste utilizado para destacar órgãos em exames radiológicos, é suspeito de causar a morte de pelo menos 21 pessoas no país.
"Não me parece o percentual de um resíduo. Resíduo é 1%, 2%. O percentual encontrado é enorme, dada a toxicidade do produto", afirmou ontem à Folha o diretor do INCQS, André Gemal.
A versão de que a contaminação ocorreu por um problema na limpeza dos equipamentos foi divulgada pelo diretor-presidente do laboratório Enila, Márcio D'Icarahy, fabricante do medicamento.
Ele disse à polícia que o químico da empresa esqueceu de lavar as máquinas após usá-las em uma tentativa de transformar cerca de 600 quilos de carbonato de bário em sulfato de bário, produto não-tóxico normalmente usado no Celobar. D'Icarahy disse ainda que o material resultante da experiência foi descartado.
"Se esqueceram de lavar uma tina, um equipamento, seria provável encontrar uma contaminação de menos de 1%", afirmou Anthony Wong, especialista em toxicologia da USP.
Representantes do Enila não foram localizados pela Folha no final da tarde de ontem, horário em que a reportagem soube do resultado do exame da Fiocruz.
Ainda de acordo com Gemal, uma contaminação poderia ser rapidamente percebida pelo laboratório com um teste simples. "Não exige alta tecnologia", afirmou o diretor do INCQS.
A farmacopéia norte-americana (que reúne regras da fabricação de remédios) diz que não se admite mais do que 0,001% de sais solúveis de bário, como o carbonato, em produtos farmacêuticos.
Os 14 gramas encontrados são suficientes para matar. A dose letal do carbonato de bário é de 1 a 15 gramas. Para a maioria das pessoas, 3 gramas já são letais. A análise do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz será expedida hoje para a polícia do Rio de Janeiro.
Antes mesmo do laudo, a polícia já duvidava da versão de que a contaminação tinha sido causada por resíduos. O foco da investigação é a distribuição irregular do produto resultante da tentativa de transformar carbonato de bário em sulfato de bário.
O resultado do órgão da Fiocruz é corroborado por análise paralela realizada pelo Laboratório de Métodos de Extração e Separação da UFG (Universidade Federal de Goiás) -a maior parte das vítimas do contraste contaminado é do Estado. Foram encontrados 12,37% de carbonato de bário em amostras de 100 gramas do produto analisadas.
Segundo André Gemal, a diferença dos resultados da Fiocruz e da UFG não é significativa.
Com base no resultado, o coordenador do laboratório goiano, Nelson Roberto Antoniosi Filho, estima que mais de 100 quilos de carbonato de bário podem ter sido usados no lote suspeito, com 4.500 frascos de 150 ml de Celobar. O Enila comprou cerca de 600 quilos do produto. "É cerca de um quinto do que eles tinham. É uma quantidade grande."
A UFG também analisou lote de contraste de outra marca, o Bariogel, e não encontrou nenhum problema no produto. A análise das vísceras das vítimas será feita pelo Instituto Médico Legal de Goiânia.


Próximo Texto: Ex-farmacêutico do Enila aponta suposta fraude
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.