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ANÁLISE
A "história oficial" e os argumentos interessados
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
Permanece aberta a questão do estatuto epistemológico da história. Definir se ela é
uma ciência e o grau de objetividade de seus juízos envolve uma controvérsia que dificilmente vai se resolver antes
do fim dos tempos.
Numa linha mais pragmática, pode-se afirmar que é do
confronto entre diferentes
concepções de historiografia
e de como ela se relaciona
com os fatos que se forja a visão que cada época elabora
de seu próprio passado. Assim surge a história oficial,
que sempre poderá ser revista de acordo com novas interpretações, numa demonstração de que às vezes nem o
passado é imutável.
Essa frouxidão epistêmica, típica das chamadas ciências do espírito, está longe
contudo de significar um vale-tudo. Por mais difícil que
seja depurar a ideologia
constante de qualquer discurso, enquanto a linguagem
conservar algum valor, haverá narrativas mais ou menos
precisas e relatos mais ou
menos honestos.
É perfeitamente razoável
debater, por exemplo, os rumos que tomava o governo
de João Goulart. Pode-se
também discutir o alcance e
o significado social do chamado Milagre Brasileiro. São
questões que comportam legitimamente interpretações
mais à esquerda ou à direita.
A argumentação politicamente interessada, porém,
através de eufemismos,
omissões ou falsificações,
pode dar lugar a crimes de lesa-historiografia. É o que faz
o livro adotado pelo Exército
quando deixa de informar
que a "Revolução levada a
efeito, não por extremistas,
mas por grupos moderados e
respeitadores da lei e da ordem" derrubou pelas armas
um regime democraticamente eleito -o que, em bom português é golpe de Estado.
Ainda pior, a obra simplesmente deixa de mencionar
que setores ligados às Forças
Armadas se valeram de tortura para desbaratar os grupos
de esquerda, o que, independentemente das intenções
dos militantes, era proibido
pelas leis editadas pelo próprio regime militar.
Em 2007, setores da mídia
conservadora protestaram
com razão contra os excessos
esquerdistas de um livro didático, "Nova História Crítica", que foi distribuído para
algumas escolas pelo MEC.
Será curioso observar como
reagirão agora ao mesmo erro com sinal invertido.
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