São Paulo, sexta-feira, 13 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BARBARA GANCIA

Maravilhosa e despudorada


Não consigo me empolgar com uma cidade que poderia ser uma das mais visitadas do mundo e hoje vive em pé de guerra


JURO QUE NÃO é torcida contra nem inveja de paulistano. Mas, quando os Jogos Pan-Americanos forem declarados abertos logo mais à noite, pode crer, eu não estarei na frente da TV dando uma de patriota entusiasmada.
É claro que espero que dê tudo certo, que os atletas voltem para casa maravilhados com o samba, a caipirinha, a mulher brasileira e a simpatia contagiante do carioca, mas não consigo me empolgar com um evento que deveria ter custado R$ 375 milhões e extrapolou o orçamento até chegar em obscenos R$ 3,7 bilhões. Não consigo me empolgar com uma cidade que poderia figurar entre as mais visitadas do mundo e hoje vive em pé de guerra.
O Rio de Janeiro é deslumbrante, mas deixou escapar em meio às balas perdidas sua vocação pelo turismo. Não são só os assaltos na rota entre o aeroporto e o hotel ou a morte, de tempos em tempos, do visitante pelo bandido que tentava levar sua máquina fotográfica. Turista que visita a cidade maravilhosa é tratado feito otário o tempo todo. É roubado pelo taxista, pelo vendedor da loja de suvenir, pelo garçom do restaurante e pelo sujeito que vende sorvete na praia.
Não adianta tapar o sol com a peneira festejando a eleição do Cristo Redentor como uma das sete novas maravilhas do mundo. Tem algum valor uma votação na internet que é apoiada por um banco? Não deveria ser impugnada uma eleição em que os governos de alguns países fizeram campanha maciça para ver seu monumento eleito?
Na quarta-feira falei com um colega carioca que participa da cobertura dos Jogos. Ele me disse que o trânsito na cidade está caótico e que ele está levando uma hora para fazer um percurso que, antes dos jogos, tomaria 15 minutos.
Os atletas também já começaram a reclamar. Uns dizem que a quantidade de mosquitos nos alojamentos é insuportável. Outros, que a comida no refeitório é pouca e que não podem repetir o prato, pois existe um controle com tarjetas de código de barra. Há quem tenha se queixado da falta de TVs nos quartos. E quem não consiga ir de a até b, por falta de orientações na Vila do Pan.
Na terça-feira, o ônibus que levava atletas da equipe brasileira de remo foi apedrejado ao passar diante de uma favela. E, na quarta, um dos membros da organização do Pan deu uma cabeçada em um dirigente esportivo do Flamengo, arrancando-lhe um dente.
Em entrevista, Raul Bagattini, o dirigente do Flamengo desdentado, disse que não iria prestar queixa na delegacia, alegando que levar seu agressor a julgamento "não iria dar em nada". "No máximo, ele vai ter de pagar umas cestas básicas, e eu não tenho tempo a perder com isso", disse ele. Pelo que entendi da afirmação do senhor Bagattini, ele não confia na Justiça e não acredita em punir quem usa de violência. É o mesmo tipo de mentalidade que prevalece entre aqueles que criticam a ação do governo Sérgio Cabral nos morros. Em vez de consertar o que está errado, deixa como está, para ver como é que fica, "mehmão"!
Pois eu só quero ver o que vai acontecer na hora em que apedrejarem o ônibus da delegação argentina ou se algum atleta norte-americano voltar para casa com dengue.

barbara@uol.com.br


Texto Anterior: Governo quer fundação para gerenciar saúde
Próximo Texto: Qualidade das praias: Guarujá e Ubatuba passam a ter só uma praia imprópria em SP
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.