São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2011

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OPINIÃO

Intelectual se coloca como o único porta-voz de Auschwitz

MÁRCIO SELIGMANN-SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O "caso Lanzmann", que tem mobilizado a imprensa, é apenas mais um episódio na lista de conflitos em torno desse importante intelectual.
O destaque em grande parte tem origem na interpretação das palavras do curador da Flip, Manuel da Costa Pinto, que comparou (sem identificar) os métodos de Lanzmann de recusa do debate intelectual aos que os próprios nazistas usaram. Ele já esclareceu que não quis chamar Lanzmann de nazista. Por mim, questão encerrada.
Mas o que fica desta história pode ser aproveitado para uma dupla discussão: uma, de ordem mais biográfica, sobre a reação de Lanzmann a qualquer obra sobre Auschwitz que destoe de sua própria estética e, outra, mais grave e séria, acerca da representação de Auschwitz.
"A Lebre da Patagônia", livro em discussão na mesa da Flip que coordenei, não deixa dúvidas quanto à capacidade de memorialista do autor. O livro é um amálgama de momentos aparentemente banais, mas cheios de simbolismo, com a narrativa de uma vida que cruzou momentos centrais do século 20.
Mas é notável a tendência do autor de se ver como único e incomparável (o que todo mundo é), a ser pensada ao lado de sua tentativa de se colocar como único porta-voz de Auschwitz.
Em um debate em Yale, em 1990, ele discordou de modo brutal de um sobrevivente de Auschwitz, Louis Micheels, porque este não se submetera ao seu ponto de vista.
Ao longo de sua vida, Lanzmann teve vários outros embates nos quais simplesmente cala a palavra dos interlocutores, ao invés de discutir com eles. Isso aconteceu com Jorge Semprún e Georges Didi-Huberman.
Quando mencionei o nome deste último na Flip, Lanzmann ficou exaltado e ameaçou deixar o palco. Chamou Didi-Huberman de "imbecil". Talvez eu também entre para a galeria de "imbecis" do senhor Lanzmann, mas isso, é claro, não é grave.
O debate importante é aquele que deve ser continuado em torno do desafio da representação de Auschwitz. Não retiro nenhum dos elogios e análises que já fiz do filme "Shoah". Prefiro continuar esse debate e deixar o outro, biográfico, aos mitógrafos de plantão.

MÁRCIO SELIGMANN-SILVA é crítico literário e professor da Unicamp.

FOLHA.com
Leia a íntegra deste texto em www.folha.com.br/il942644


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