São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2005

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DRAMA ROTINEIRO

Fogo, que marca os últimos 10 anos de história da ocupação na Zaki Narchi, consumiu 166 barracos, sem feridos

Após 5º incêndio, favela sonha com seu fim

Sidinei Lopes/Folha Imagem
Bombeiro apaga chamas que destruíram 166 barracos no 5º incêndio em dez anos na favela Zaki Narchi, zona norte de São Paulo


FABIO SCHIVARTCHE
DA REPORTAGEM LOCAL

MARTHA ALVES
DA AGÊNCIA FOLHA

Pela quinta vez, a dona-de-casa Maria das Graças da Silva vai recomeçar sua vida do zero. Ela é um dos 310 moradores da favela Zaki Narchi, na zona norte de São Paulo, que tiveram na madrugada de ontem o barraco destruído em um incêndio -o quinto nesse local em apenas dez anos.
"O fogo começou ao lado do meu cômodo e só consegui, graças a Deus, salvar as crianças", diz Maria das Graças, 34 anos, quatro filhos e um sonho: sair da favela e morar em uma casa de tijolos.
Mas esse sonho, comum aos cerca de mil moradores da Zaki Narchi, vem sendo prorrogado, ano após ano, com promessas não cumpridas dos prefeitos. Nos últimos dez anos, a favela cresceu, diminuiu e foi tomada pelo crime organizado. Seus moradores aprenderam a conviver com os fugitivos da Casa de Detenção (leia texto nesta página) e com incêndios devastadores.
Em setembro de 1996, um ano depois de implantar o projeto Cingapura (que previa a verticalização de favelas) em parte da Zaki Narchi, o ex-prefeito Paulo Maluf (PP) enfrentou um incêndio de grande porte no local. Sua gestão levou os moradores para abrigos e prometeu casas. Não cumpriu -e a favela foi reocupada.
Em outubro de 1999, outra vez as chamas consumiram barracos -cerca de 50. Um ano depois, com pelo menos cem moradias destruídas, a administração de Celso Pitta (sem partido) afirmou que as famílias não voltariam à favela. Sem opção, elas voltaram.
Em 2002, o governo Marta Suplicy (PT) disse que colocaria guardas 24 horas por dia para impedir novas invasões na área, após incêndio que deixou 200 barracos queimados e mais de mil desabrigados. A ação não surtiu o efeito pretendido pela petista.
Testemunha dessa tragédia repetida, o coronel João Santos de Souza, que coordenou o trabalho dos bombeiros na madrugada de ontem, diz que a favela Zaki Narchi é um caso único na cidade. "Talvez pelo fato de quase todas as casas serem de madeira, as chamas se alastram com maior velocidade. É uma cidadezinha que queima feito uma fogueira."
Até ontem, o coronel ainda não sabia o que tinha causado o fogo que destruiu 166 dos quase 400 barracos. "A perícia terá dificuldade porque não sobrou nada."
Desabrigada novamente após o incêndio de ontem, Maria das Graças da Silva assistiu a todas as promessas feitas e não cumpridas. Voltou a ter esperança de realizar seu sonho com a nova promessa, desta vez do PSDB.
O governador Geraldo Alckmin, que já liberou 150 apartamentos da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo) para os moradores da Zaki Narchi, quer transformar o terreno da favela numa área verde. Já acenou com mais 350 unidades.
Por parte da administração municipal de José Serra, o subprefeito de Santana, Luiz Antonio Pacheco, dá até uma data para retirar todos os moradores da favela: "até meados do ano que vem".
Para o urbanista Paulo Bastos, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Católica de Santos, problemas crônicos como o dessa favela resultam do processo de disputa política que marcou a cidade nas últimas décadas. "Cada prefeito quer resolver as coisas de seu jeito."
Desta vez, não houve feridos. Com colchões e cobertores doados, parte dos desabrigados foi para o Clube Municipal Geraldo Alonso -na esperança de viver, enfim, melhores dias.


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