São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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Notívago de SP adota o "quanto mais trash melhor"

Modernos saem em busca de lugar fora do "circuito descolado" da cidade

Locais como um videokê na Liberdade e um botequim tradicional da rua Augusta atraem quem opta por não recorrer aos clubes em alta

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

"Eu só frequento lugar trash, graças a Deus." Assim a estilista Karla Girotto, 30, define sua preferência por programas noturnos que não estão nos guias de baladas nem fazem parte do circuito ""descolado oficial" da cidade. Karla faz parte de uma turma que, de tão vanguardista, rejeita os lugares feitos para pessoas que aparecem em sites e revistas para "modernos" como ela e preferem descobrir um karaokê tradicional em que nunca "ninguém foi" ou adotar um novo botequim.
A mania, claro, transforma lugares de São Paulo antes freqüentados por quem mora perto em templo ""radical chique".
São Paulo ganhou dois clubes neste ano, o Glória, no Bexiga, e o Royal, no centro. Ao mesmo tempo, o Vegas, no coração underground da rua Augusta, completou um ano de sucesso.
Mesmo assim, o sucesso das casas foi abafado, nas conversas dos notívagos de São Paulo, pela pergunta: ""Como assim, você nunca foi no "Karaokê da Mamma?"". Trata-se da Choperia Liberdade, um karaokê tradicional na rua da Glória. Mamma é a gerente, que viu a casa, aberta há três anos, em poucos meses ser invadida por pessoas com roupas esquisitas, tênis All Star e cabelos desarrumadinhos.
""É muito mais legal vir aqui, que é um lugar trash de verdade, do que em um lugar que imita um lugar kitsch", diz Frank Dezeuxis, 32, diretor de arte e assíduo do lugar, onde canta com os amigos músicas bregas. "Acho que uma hora a gente cansa de saber que música o DJ está tocando, de ter que fazer tipo. O bom daqui é que a gente pode cantar música brega. É Bruno e Marrone, não é Tiga", diz, referindo-se a um badalado DJ de electro.
Hoje, publicitários, integrantes de bandas de rock, moderninhos da MTV, estilistas e personalidades da noite, como o ator Paulo Cezar Pereio, se misturam com os freqüentadores habitues do karaokê, em geral, moradores da Liberdade que se habituaram ao programa quando ainda eram crianças.
Em uma das visitas da Folha ao local, uma das mesas era ocupada pela artista plástica Tereza Berlinsck, que levou amigos artistas estrangeiros direto de uma festa badalada para a ""Mamma". ""Aqui é o lugar mais legal para trazer alguém de fora. É legal em todos os aspectos", dizia Tereza, que já tinha ido até lá uma vez, mas lembrou do lugar ""porque ouviu o pessoal comentar na Galeria Vermelho" (templo de artistas modernos em São Paulo) sobre o tal lugar. Não por acaso, no mesmo dia, um grupo de artistas da tal galeria ocupava uma das mesas de sinuca. Ao lado, um grupo animado reunia freqüentadores do Vegas e do The Edge. ""A gente gosta de clube também, mas uma hora isso cansa e a gente quer ver uma coisa diferente e ficar mais a vontade. Aqui é relax. Não tem função noite, aquela coisa de ter que pagar cartão de consumação", diz Eloir Santos, 28, visual merchandising, morador de Pinheiros.
Karla Girotto, freqüentadora assídua, teoriza. ""Gosto de sair para fazer antropologia, não para encontrar só gente igual a mim. Não vou sair para ficar mordendo meu próprio rabo. Gosto de onde tem gente mais esquisita do que eu. Não vou servir de decoração de clube."
O gosto pelo trash faz também com que ela, claro, prefira um bom botequim a um bar cool. Seu preferido, no momento, é o Papo, Pinga e Petiscos, na praça Roosevelt.
O gosto pelos lugares ""lado escuro da vida" transformou um tradicional botequim da rua Augusta, o Ibotirama, em reduto cult. Tão badalado que já anda cansando quem gosta de um lugar onde realmente ""ninguém vá".
""Eu adoro, ia muito. Agora acho que tem gente conhecida demais. Daqui a pouco vou ter que começar a me arrumar para freqüentar o Ibotirama", diz Milena Carlstrom, 28, vendedora. Milena tem preferido freqüentar a sinuca que fica ao lado do bar. Trata-se de uma sobreloja difícil de encontrar, com a porta fechada pela metade por uma banca de jornal.
A moça também descobriu um videokê incrível na Consolação, o Belas Artes, um botequim pé sujo. O lugar é badalado por seu um videokê GLS. ""Adoro a mistura que está começando a acontecer aqui", diz o garçom do bar, que prefere ser chamado de garçonete.
Até os sérios freqüentadores do karaokê da Liberdade vêem com bons olhos a ""invasão moderna". ""Tem muita gente diferente freqüentando, mas tudo bem, desde que entendam que para nós isso é uma tradição séria e continuem respeitando", diz um freqüentador.


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