São Paulo, quinta-feira, 13 de agosto de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

Uma questão de vestibular tradicional


Nesse tipo de pergunta, predomina a aplicação seca de certos conceitos vistos e revistos no curso secundário

O RECÉM-REALIZADO VESTIBULAR da Universidade Mackenzie apresentou uma questão que, embora distante do padrão hoje adotado nos exames de universidades públicas, em muito se assemelha ao que ainda pedem inúmeros concursos públicos e instituições universitárias privadas.
Nesse tipo de questão, predomina pura e simplesmente a aplicação seca de certos conceitos gramaticais vistos e revistos ao longo do curso secundário. A finalidade clara dessas questões é saber se o candidato domina ou não domina o que se considera "correto" no padrão culto.
Vamos à questão, baseada neste excerto (de texto da Folha, adaptado): "Uma pesquisa holandesa apontou que as pessoas, enquanto assistem a programas de televisão, tendem a consumir álcool quando veem personagens bebendo em filmes ou em comerciais. Os pesquisadores monitoraram o comportamento de 80 jovens, no momento em que eles assistiam à TV, e descobriram que os que viam mais referências a bebidas alcoólicas bebiam duas vezes mais do que os que não as viam.
Os médicos também envolvidos no projeto disseram que a pesquisa representa possível contribuição para que se desenvolvam campanhas com o intuito de prevenir o consumo abusivo de álcool".
A banca pedia ao candidato que marcasse a alternativa correta. Eis as opções: "a) O verbo assistir (de "no momento em que eles assistiam à TV') foi empregado no texto com o mesmo sentido observado em "O médico assistiu o doente durante a noite toda'; b) Seguindo a norma culta, o trecho "os que não as viam" também pode ser escrito como "os que não lhes viam'; c) É possível passar o verbo consumir (de "as pessoas [...] tendem a consumir álcool') para o plural, sem prejuízo da correção gramatical do trecho; d) São aceitas, pela norma culta, duas possibilidades de pronúncia e escrita de "intuito': "intuito" ou "intuíto'; e) A forma verbal "desenvolvam" (de "para que se desenvolvam campanhas') apresenta como sujeito "campanhas", por isso está na forma do plural".
A "a" dispensa comentários. É clara a distinção de sentido (no texto, "assistir" significa "ver"; no exemplo da banca, significa "amparar").
A alternativa "b" toca num ponto delicado: o uso dos pronomes "o/a" e "lhe" como complementos de verbos que não regem preposição.
De fato, no registro formal, o oblíquo de terceira pessoa que complementa verbos transitivos diretos, como "ver", é "o" ("a", "os", "as"), e não "lhe/s": "Não conheço você/s" = "Não o/s (ou "a/s') conheço". No registro oral de diversas regiões do Brasil, no entanto, o que se usa como complemento de verbo direto ou indireto é "lhe/s": "Nunca lhe vi antes; não lhe conheço". Como a questão fala em "norma culta"...
Na "c", que tal "as pessoas tendem a consumirem"? Sem chance. Como se vê, a flexão já se dá em "tendem". Ou será que dizemos "Elas querem irem", "Eles vão fazerem"?
Na "d", embora muita gente diga "intuíto", os dicionários e o "Vocabulário Ortográfico" só abonam "intuito", cuja vogal tônica é o "u", como em "gratuito" e "circuito".
Chegamos à alternativa "e" (a correta). Nela se afirma que o sujeito de "para que se desenvolvam campanhas" é "campanhas", o que, para a gramática normativa, é verdadeiro.
Ocorre aí a voz passiva sintética, sempre explicada nas gramáticas e guias por sua suposta equivalência com a voz passiva analítica ("para que se desenvolvam campanhas" = "para que campanhas sejam desenvolvidas"). Na verdade, esse caso comportaria outros comentários, mas o espaço acabou.
Vale a pena voltar ao tema. É isso.

inculta@uol.com.br


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