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Ultra-som ilegal vira mania antigordura
Técnica de origem israelense, que não tem aprovação da Anvisa, custa até R$ 2.500 por sessão e promete eliminar gordura localizada
Médicos apontam risco de
embolia e pancreatite, pois
a gordura que vai para a corrente sangüínea pode
equivaler a 11 sanduíches
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um ultra-som que promete
eliminar gordura localizada e
que virou moda nas clínicas estéticas e dermatológicas de São
Paulo e do Rio está sendo usado
irregularmente no país.
Conhecido como "ultrashape" (mesmo nome do fabricante), o aparelho é de origem israelense e não tem registro na
Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária). Também
não há estudos controlados,
publicados em periódicos científicos de renome, que garantam sua segurança e eficácia.
Aprovado em 2005 na Europa, mas ainda sem aval nos
EUA, o ultra-som chegou ao
Brasil em outubro último e tem
provocado uma verdadeira corrida de homens e mulheres às
clínicas. Todos dispostos a pagar de R$ 1.200 a R$ 2.500 por
sessão. Alguns locais têm fila de
espera de dois meses.
A promessa do aparelho é
tentadora: sem dor, corte ou
anestesia, a pessoa perderia em
média 2 cm de medida corporal, o que pode chegar a 300 g
de gordura por sessão -o equivalente a 11 Big Macs. Cada sessão dura de uma a duas horas. O
recomendável é fazer, no mínimo, três sessões, com intervalos de um mês cada uma.
O princípio da máquina é semelhante ao da litotripsia (o
aparelho que quebra cálculos
renais). Por meio da emissão de
ondas acústicas, as células gordurosas vibram até romper-se.
Depois são jogadas na corrente
sangüínea, metabolizadas pelo
fígado e eliminadas por meio
das fezes, da urina e do suor.
Os médicos que utilizam o
aparelho dizem que a quantidade de gordura despejada no
sangue é segura. Porém, para
endocrinologistas e cardiologistas, se a gordura eliminada
por sessão atingir 300 g (segundo informa o fabricante), a pessoa pode apresentar problemas
no fígado, pâncreas e pulmão.
"Não há problema [com a
descarga de gordura no sangue]. É como comer uma feijoada ou uma porção de batata frita", garante a dermatologista
Shirley Borelli. Desde outubro,
ela tem a agenda lotada para
uso do ultra-som. São cerca de
seis sessões por dia e uma fila
de espera até março.
Borelli afirma que soube que
o aparelho está em fase de
aprovação na Anvisa e que decidiu antecipar o uso porque se
sente segura com o ultra-som.
"Nós trabalhamos com o Botox dez anos sem FDA [agência
reguladora de medicamentos
dos EUA] approval [aprovação]
e sem Anvisa approval. Não
quer dizer que não seja seguro",
argumenta a dermatologista.
Ela contra-indica o método a
pessoas com danos hepáticos e
metabólicos.
Já o dermatologista Nuno
Osório, que também trabalha
com o aparelho, alega que não
sabia da situação irregular do
ultra-som. "Estou pasmo com
essa história." Ele comenta que
não checou na Anvisa se o aparelho tinha aprovação porque
confia no fabricante. "Existe o
certificado europeu. As pesquisas mostram que é seguro."
Na opinião do cardiologista
Raul Dias dos Santos, do Incor,
não há estudos científicos controlados que garantam a segurança no uso do ultra-som. Para
ele, um risco teórico seria a migração de pedaços maiores de
gordura para o pulmão, gerando a embolia gordurosa -uma
inflamação pulmonar grave
que pode matar.
"O risco de complicação depende da quantidade de gordura, do tamanho e de como ela
cai na circulação sangüínea."
Para ele, se a pessoa já tiver
níveis altos de triglicérides, o
excesso de gordura também
pode levar a uma pancreatite
(inflamação do pâncreas).
O endocrinologista Marcio
Mancini, médico do grupo de
obesidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, é enfático:
"[o ultra-som] não é seguro
nem eficaz. As pessoas que querem perder gordura localizada
são uma presa fácil. Tudo o que
elas querem é alguém com uma
lábia boa, que prometa milagre.
Ultra-som na barriga, choquinho, injeção, nada disso resolve. O que funciona é lipoaspiração e cirurgia plástica."
Segundo Mancini, se for verdade a promessa do aparelho
de "derreter" 300 gramas de
gordura por sessão, o risco à
saúde é grande. "Pode levar o
acúmulo de gordura no fígado,
gerando a esteatose hepática."
O cirurgião plástico Elvio
Bueno Garcia, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), endossa: "Esses modismos
vendem sonhos, prometem o
pedacinho do céu. E sempre terá alguém querendo comprar."
A despeito da polêmica, mulheres que fizeram uso do ultra-som acreditam nos seus benefícios. Na última terça, a executiva Mara, 51, vibrava com a perda de 2 cm de medida corporal
após três sessões. "A mudança é
evidente. Desaparece aquela
gordura mole."
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