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"Dirces" colecionam piercings, tatuagens e livros de receita
O que caracteriza essas garotas é ter afinidades domésticas que foram praticamente riscadas do manual da mulher moderna, como fazer um bolo e compota
MARIANNE PIEMONTE
DA REVISTA DA FOLHA
Americanos gostam de classificar tendências de comportamento usando pedaços de palavras e siglas como hippies,
yuppies, teens, emos. Loucos
por um cartório, os brasileiros
preferem fulanizar, para usar o
verbo cunhado pelo ex-presidente sociólogo: nossos tipos
envergam nome próprio, como
patricinha, mauricinhos, camilinhas e plínios. E tem novidade: as dirces.
Não se sabe quem inventou,
mas a razão da escolha é fácil de
entender. Dirce (que me perdoem as que o carregam desde
o batismo) é um nome passadista, que remete àquela parenta idosa e fofa, nunca às moças
das últimas gerações -exatamente as que "estão" dirces.
O que caracteriza o tipo é
uma espécie de nota dissonante, o pé num certo passado, improvável numa figura absolutamente urbana: quem dirá que,
por baixo daquela mulher com
visual moderno, roupas alternativas, tatuagens e piercings à
mostra, vive uma tia-avó modelo original, daquelas que colecionam cadernos de receita, fazem compotas e nunca deixam
móvel sem toalhinha?
"Usamos um nome antigo
porque reproduzimos, por opção e gosto, algo que as nossas
mães e avós eram obrigadas a
fazer", diz a atriz Fafi Prado, 36.
"Algo", no caso, são as afinidades domésticas que foram
riscadas do manual da mulher
moderna, que nasceu com o
movimento feminista e caiu de
boca na vida profissional. Boa
parte delas, aliás, transformou
a frase "não sei nem fritar ovo"
em bandeira libertária. As dirces, gente pouco antes e pouco
depois dos 30, surgem como
um desvio nesse gráfico.
Quem visita Fafi se sente na
casa de uma tia octogenária.
Além dos azulejos de arabescos, do filtro de barro e das toalhinhas de crochê, a atriz costuma receber as amigas com gelatina colorida, aquela feita no
creme. "Sei que não é prático,
mas nunca mais abri uma lata
de molho de tomate", conta.
Alguns itens são básicos no
figurino. "Quem me conhece
no trabalho não imagina que eu
goste de toalha de crochê", diz a
figurinista Drica Cruz, 33.
Drica tem sua teoria para o
"ser dirce". "Corremos tanto,
em trabalhos tão malucos, muitas vezes virando noite, que a
"dircisse" é uma quebra fundamental nesse ritmo insano."
Mãe caloura de Caio, 8 meses, a figurinista é mãe tradicional: é ela quem seleciona os legumes e faz a papinha do bebê.
Filosofia
Desmentindo o visual muitas
vezes até um pouco agressivo,
as dirces parecem um poço de
candura, conjugando com freqüência frases inesperadas, do
tipo "o importante é ter saúde".
As melhores costumam ganhar a lousa da geladeira de Helena Fagundes, 28, assistente
de programação da MTV e baterista de uma banda recém-formada que ensaia rocks com
letras que falam de dor-de-cotovelo e problemas existenciais. O nome: Las Dirces.
"A piada ficou inevitável
quando percebemos que também gostávamos de coisas de
gente velha, como tapeware,
poltrona de flor e chá com bolo
feito em casa", conta Helena.
O ritual do chá da tarde fica
com a guitarrista da banda, a
designer gráfica Eliane Testone, 28. "Mas não tem essa de
som ambiente com bossa nova,
não. Na trilha sonora tem que
rolar rock'n roll", ressalva.
Como dirce que é dirce tem
livro de receitas, Eliane também tem o dela, mas em forma
de fanzine, com poesias, ilustrações e trabalhos autorais.
Para coroar, os pratos da bateria são transportados numa sacola de feira; durante o show,
enquanto as moças descem a
lenha, a sacola fica pendurada
na parede como um estandarte.
Mais dirce, impossível.
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