São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

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Polícia culpou chuva por acidente em 2005

Laudo do Instituto de Criminalística inocentou consórcio por imóveis afundados no entorno da estação Pinheiros do Metrô

Atribuir desabamento à chuva e à geologia do terreno é "fantasia", aponta geólogo que foi responsável pelos túneis do Metrô

MARIO CESAR CARVALHO
KLEBER TOMAZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Não é só empreiteiras que culpam a chuva por desabamentos em túneis. Um laudo do IC (Instituto de Criminalística) da Polícia Civil inocentou o consórcio Via Amarela por um acidente ocorrido no final de 2005 na Estação Pinheiros sob o argumento que os culpados eram a geologia do terreno e as chuvas. Dois especialistas em geologia e obras ouvidos pela Folha dizem, de forma mais ou menos diplomática, que o laudo não tem base científica.
No dia 3 de dezembro de 2005, por volta das 2h da manhã, os donos da casas nos número 157 e 163 da rua Amaro Cavalheiro tiveram que desocupar o imóvel porque ele começou a afundar. Duas horas depois, as casas desabaram. No dia seguinte, uma terceira casa rachou numa rua ao lado, a Ferreira de Araújo.
Todas ficam nas imediações da estação Pinheiros, a mesma onde ocorreu o desabamento que provocou a morte de sete pessoas há um mês.
Como não houve vítimas em 2005 e as famílias foram indenizadas pelo consórcio -OAS, CBPO (do grupo Odebrecht), Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez- o inquérito que apurava a responsabilidade pelo acidente foi arquivado pela Justiça em 19 de setembro de 2006. Ninguém foi punido.
Os engenheiros do Instituto de Criminalística que assinaram o laudo, José Manuel Dias Alves e Antonio de Carvalho Nogueira Neto, haviam classificado o acidente como "súbito e imprevisível".
No laudo da polícia, os dois engenheiros escreveram que o desabamento foi "causado pela saturação do solo devido às fortes chuvas já mencionadas, combinados com a geometria irregular e pontual do maciço rochoso a cerca de 20 metros abaixo da superfície do solo".
Essa é a passagem que os especialistas criticam.
"A leitura desses documentos judiciais, causou-me, como técnico e cidadão, um doloroso sentimento de revolta e asco", diz o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de planejamento e gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).
"Quem escreveu isso não entende nada. É uma fantasia", afirma Kenzo Hori, geólogo que foi o responsável pelos túneis do Metrô, principalmente os das linhas 4 e 5.
A pedido da Folha, os dois especialistas analisaram o resultado do laudo sobre o acidente de 2005.

Não foi a chuva
Hori, que ingressou no Metrô em 1968 e saiu da companhia 30 anos depois, é categórico ao rechaçar a hipótese dos engenheiros do IC de que a chuva provocou o desabamento: "Se fosse chuva teria caído tudo. [O túnel] Caiu porque teve uma cavidade embaixo. Pode ser muita coisa além da chuva ou a chuva não tenha nada a ver com isso", arrisca.
Rodrigues dos Santos diz que "não existe a menor possibilidade de ocorrência de acidentes em obras de engenharia civil por força de imprevistos da natureza, como chuvas, e fatores geológicos". Geologia e pluviometria da área da obra são estudados há mais de uma década, no caso de linha 4.
Segundo o geólogo, a polícia e os engenheiros que assinam o laudo foram "levianos".
"Foram decisões nitidamente orientadas a eximir de qualquer responsabilidade e culpabilidade o Consórcio Via Amarela", diz Rodrigues dos Santos.

Mais investigação
Debater o laudo de 2005 não é um questão acadêmica, segundo Rodrigues dos Santos: "Tenho absoluta certeza de que, caso o acidente da rua Amaro Cavalheiro tivesse sido investigado com total isenção e rigor técnico, o trágico acidente da rua Capri não haveria ocorrido. Como se vê, a leviandade técnica tem um altíssimo preço". No caso, foram sete mortes e uma obra parada.


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