São Paulo, sexta, 14 de março de 1997.

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OPINIÃO
Impasse na saúde

RICARDO LOBO TORRES

A questão da saúde no Brasil está chegando ao impasse. De nada adiantou, nem adiantará, a saída de Adib Jatene do ministério do presidente Fernando Henrique, eis que o problema não é de homens ou governantes, mas de modelo constitucional.
Com efeito, o texto de 1988 criou sistema de saúde simbólico, isto é, já destinado a não funcionar na prática, tendo em vista que o apoiou em tripé totalmente utópico: gratuidade, universalidade e unicidade.
Urge, pois, que se procure novo paradigma constitucional para o sistema de saúde, que só pode ser o que se apóia nos direitos humanos, na idéia de justiça e na repactualização do nosso federalismo.
A medicina preventiva, o atendimento de pronto-socorro e a proteção dos indigentes postulam o atendimento gratuito, financiado pela arrecadação geral dos impostos; mas a medicina curativa e o atendimento à população trabalhadora e aos ricos, classificando-se como direitos sociais, devem seguir o regime contributivo.
Sucede que optamos pelo modelo da gratuidade vigente nos países escandinavos, pequenos, pouco populosos e muito ricos. Mas não o levamos às últimas consequências o sistema gratuito: não o financiamos com os impostos, senão que o fizemos recair sobre as empresas e a sociedade em geral, que pagam -muitas vezes com resistência- as contribuições sociais e agora a CPMF, tributos anômalos, posto que possuem a mesma natureza dos impostos sem lhes seguir o regime e a neutralidade da incidência.
O acesso universal e igualitário, sendo também utópico, gera expectativas inalcançáveis. As prestações de medicina curativa dependem de escolhas orçamentárias, sempre dramáticas num ambiente de escassez de recursos. Qual é o cardíaco que tem o direito de ser operado pelo dr. Jatene? Qual o critério de justiça que deve presidir as opções fundamentais em torno da saúde? Essas questões, cerne da discussão em torno da justiça local, estão inteiramente obscurecidas pela proclamação demagógica da universalidade e da igualdade no atendimento!
De notar que não se defende a extinção da universalidade do atendimento, mas a sua adequação a um sistema realista, em que se mesclem e se somem as contribuições dos usuários, excluídos os pobres, e os aportes orçamentários financiados pelos impostos.
A unicidade do sistema de saúde, em um país de federalismo tridimensional, é outro princípio insustentável, a menos que venha a ser repensada a sua base constitucional, distribuindo-se a responsabilidade entre União, Estados e municípios.


Ricardo Lobo Torres, 61, é professor titular de direito financeiro coordenador do programa de pós-graduação em direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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