São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOACYR SCLIAR

Se a moda pega


A economia de água foi grande, mas o odor que se erguia das cidades era qualquer coisa de insuportável

 "Vou feder no Senado", diz político que promete greve de banho. O senador tucano Mário Couto (PA) afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será a primeira pessoa que ele irá abraçar após o início da greve de banho que promete realizar. O motivo da greve de banho é tentar incluir na pauta de votação do Senado um projeto de reajuste do INSS. O senador afirmou que a greve "é uma forma de pressão, uma postura moderna, coisa nova". "O que posso fazer se o projeto não entra em pauta? Tenho que colocar alguma coisa para sensibilizar as pessoas. Então fui por aí. Ir direto à greve de fome poderia parecer um ato exibicionista da minha parte." De acordo com Mário Couto, a greve terá a participação de outros parlamentares. Ele acrescentou que dispensará o uso de perfumes para atenuar o mau cheiro. "Vou ficar fedorento mesmo no Senado." Mônica Bergamo, 7 de abril de 2008

A PRINCÍPIO, o anúncio do senador causou espanto, inclusive pela curiosa coincidência de ter sido feito no dia 7 de abril, que é o Dia Mundial da Saúde. Mas a original idéia se espalhou e logo pessoas e grupos começaram a achar que aquela forma de protesto não era tão descabida quanto de início parecia.
Claro, banho é uma coisa higiênica, mas nem sempre os médicos foram dessa opinião; no começo do século 19, o médico Guimarães Peixoto citava, entre as causas de doenças no Brasil, além da bebida e dos "prazeres de Vênus", "os banhos tomados todos os dias". Não poucos europeus (na Europa, como se sabe, nem todos se banham diariamente) compartilhavam dessa opinião, criticando o excesso de banho dos brasileiros. De modo que um prazo de 40 dias parecia até razoável; pior seriam os 40 anos que os hebreus passaram no deserto, liderados por Moisés (vivido nas telas por Charlton Heston). Além disso, greve de banho é mais fácil e menos perigosa do que greve de fome.
De imediato a forma de protesto se alastrou. Grupos que se achavam prejudicados, ou perseguidos, ou discriminados aderiram em massa. Formou-se até um MSB, o Movimento dos Sem-Banho, que começou a promover demonstrações, gritando o lema "Nada de banho, é um protesto de bom tamanho" e queimando, em praça pública, toalhas e saboneteiras.
As conseqüências não se fizeram esperar. Algumas, surpreendentemente agradáveis. Os mosquitos da dengue, que tinham se acostumado a enfrentar os mais variados repelentes, agora fugiam espavoridos, tomando o rumo do mar, como desejara o prefeito Cesar Maia. A economia de água foi grande, mostrando que esse recurso poderia ser usado em caso de escassez do produto.
Mas o odor que se erguia das cidades -e que chegava a tomar a forma de uma espessa nuvem- era qualquer coisa de insuportável. Além disso, ocorreram reflexos na economia. A indústria e o comércio de artigos de higiene entravam em colapso; mesmo perfumes, que, tudo indicava, seriam usados nessa emergência odorífera, eram boicotados. Grupos religiosos, inconformados com a situação, antecipavam um novo dilúvio, para transformar o Brasil numa gigantesca banheira, talvez até com hidromassagem. O lobby dos sabonetes não saía de Brasília, tentando cooptar parlamentares.
Aos poucos, a situação foi voltando ao normal -e as pessoas, aos chuveiros. Desodorantes voltaram a ser usados e o mau cheiro das cidades retornou ao nível habitual do lixo e dos esgotos a céu aberto. Mas muitos adolescentes ficaram com saudades daqueles bons tempos em que não tomavam banho e podiam dizer aos pais que estavam protestando.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


Texto Anterior: Caso Isabella: Testemunhas prestam depoimento durante o fim de semana
Próximo Texto: Consumo: Engenheiro afirma que peça da Tigre causou vazamento
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.