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ENTREVISTA/CIRO BIDERMAN
Gasolina barata e baixo subsídio a ônibus e metrô paralisam SP
Para Ciro Biderman, professor da FGV-SP e do MIT, políticas públicas colocam os carros à frente do transporte coletivo
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se você gosta de culpar os políticos por todos os males, pode
pôr mais uma desgraça na conta: o caos no trânsito de São
Paulo. A paralisia da cidade resulta de escolhas políticas, segundo Ciro Biderman, economista que estuda a área e o urbanismo. "Não há alternativa
ao carro em São Paulo. É um erro atribuir às pessoas a decisão
de usar o carro porque há uma
decisão política anterior", diz o
professor da Fundação Getulio
Vargas (SP) e do MIT (Massachusetts Institute of Technology), em Boston.
A decisão política anterior,
diz, colocou os carros à frente
do transporte coletivo. Isso
ocorreu quando as cidades brasileiras decidiram seguir o modelo americano, uma mistura
de gasolina barata e baixo subsídio ao transporte público. Na
Europa, a gasolina é cara e há
alto subsídio a metrô e ônibus.
É um mito, segundo Biderman, que, na América, ninguém está disposto a trocar o
carro pelo transporte público.
O melhor exemplo, para ele, é
Bogotá, capital colombiana, onde cerca de 85% dos moradores
vão ao trabalho de ônibus, segundo ele. Biderman diz que
São Paulo precisa de um choque cultural similar ao que foi
aplicado em Bogotá.
FOLHA - Por que São Paulo chegou
a esse grau de paralisia?
CIRO BIDERMAN - Foi por causa
das opções de política urbana.
O modelo americano de cidade
tem uma taxação muito baixa
da gasolina, pedágios com preços baixíssimos -em Boston
custa US$ 1 [cerca de R$ 1,70],
contra oito libras [cerca de R$
26,60] no centro de Londres-
e pouco ou nenhum subsídio
para o transporte público. O
modelo europeu dá subsídio
pesado ao transporte público e
impõe uma taxação altíssima
para a gasolina. Quando toma
essa decisão de beneficiar o
carro, você traça o destino urbano da cidade. Nas capitais européias, cerca de 70% das pessoas vão ao trabalho de transporte público. Não tem como a
elite fugir dessa regra. Nos
EUA, com exceção de Nova
York, quando 15% vai ao trabalho de transporte público, já é
um índice alto. São Paulo fez
uma opção americana e só não
está pior porque somos pobres.
Bastou a renda crescer um pouco para chegar perto do caos.
FOLHA - Cidades como Goiânia e
Salvador têm o mesmo problema. O
urbanismo brasileiro fracassou?
BIDERMAN - Talvez seja um pouco radical dizer que o urbanismo todo brasileiro deu errado.
Mas, olhando por esse lado, você poderia fazer essa afirmação.
É incrível como os urbanistas
brasileiros, com exceções, ignoraram o transporte público. Pegue a USP na zona leste: colocaram a universidade num lugar
que não tem transporte.
FOLHA - Virou lugar comum dizer
que a solução é fazer metrô. O que
se faz enquanto ele não fica pronto?
BIDERMAN - É curioso que os
corredores de ônibus de Curitiba, dos anos 70, não tenham virado lugar-comum. Em Bogotá,
ele fizeram uma opção radical
pelos corredores.
FOLHA - Como?
BIDERMAN - Como eles não tinham como bancar o metrô, fizeram corredores de ônibus.
Nenhum urbanista de lá nega
que imitou Curitiba. Hoje, 85%
das pessoas vão ao trabalho de
transporte público, o que não é
usual na América Latina.
FOLHA - Por que São Paulo é tímida
no uso de corredores?
BIDERMAN - Corredor não está
no imaginário da população.
Quando se fala de Minhocão,
muita gente pensa em derrubá-lo. Mas ninguém fala da possibilidade de transformá-lo num
corredor, com ônibus elétricos,
sem barulho. Em Bogotá não é
só o TransMilenio. Eles aumentaram as calçadas, fecharam ruas. Um dia por mês é livre de carros. Para implantar o
transporte público de verdade,
você precisa de um choque cultural. Bogotá mostra que é mito
essa idéia de que, na América,
ninguém abandona o carro.
FOLHA - Pesquisa Datafolha aponta que 74% dos paulistanos rejeitam
o pedágio urbano. O prefeito deve
atender essa demanda?
BIDERMAN - A longo prazo isso é
uma catástrofe para a cidade. É
óbvio que 74% são contra. Até
os mais pobres estão comprando carros, porque é um benefício gigantesco em um lugar como São Paulo. Você não consegue andar na cidade. Eu moro
na praça Roosevelt e viria andando até a FGV, na [av.] 9 de
Julho. Mas, da minha casa para
cá, é horrível para pedestres.
Não é só o transporte público
que não funciona. O transporte
para pedestres e o de bicicleta
não funcionam. Não há alternativa ao carro. É um erro atribuir às pessoas a decisão de
usar carro, porque existe uma
decisão política anterior.
FOLHA - São Paulo não pára de crescer na periferia, enquanto prédios
na área central estão abandonados.
Dá para reverter esse quadro?
BIDERMAN - A degradação é perfeitamente reversível. Depende
de decisões políticas. Você não
pode pensar o centro como um
bloco único. Nem tratar usuários de crack como um problema urbano. É um equívoco, um
problema de saúde pública.
FOLHA - A prefeitura diz que, sem
demolir 23 quadras da cracolândia,
o mercado não se interessaria pela
área. Faz sentido?
BIDERMAN - Tem uma lógica por
trás disso. O que gera a decadência dos centros históricos é
o fato de que o custo para demolir e construir é maior do
que simplesmente construir
um edifício novo, porque há o
custo da demolição. Para contornar esse problema, basta cobrar menos pela terra. O que há
de novo nessa equação é que, a
partir dos anos 80, em Nova
York, as pessoas passaram a reciclar prédio antigos. Eles perceberam que edifícios antigos
tinham um grande apelo para o
setor de serviços. O Soho é dominado por galerias e lojas.
FOLHA - Você acha que esse valor
subjetivo do antigo será incorporado pelo mercado brasileiro?
BIDERMAN - A mesma madame
que faz compras no Soho, se tiver segurança, vai achar "cool"
comprar na Luz. A Bowery [rua
de Nova York] era uma boca de
drogas há dez anos e, agora, tem
o New Museum, mas tem as lojas que vendem artigos para bares. Obviamente, tem de haver
algum tipo de subsídio para as
lojas irem para esses lugares.
FOLHA - Governos do PSDB gastaram R$ 100 milhões em prédios para
a cultura na região da Luz, como a
Sala São Paulo e a Pinacoteca. Por
que a área continua degradada?
BIDERMAN - O que você precisa é
atrair residentes. Uma parcela
desses R$ 100 milhões deveria
ter sido usado para atrair moradores. Há um erro dos arquitetos que reciclaram esses monumentos: todos foram construídos fechados neles próprios.
São ilhas. Você vai à Sala São
Paulo e tem um estacionamento sem o menor sentido. A pessoa deveria ir à Sala São Paulo
de transporte público.
FOLHA - O foco exclusivamente na
cultura está errado?
BIDERMAN - É claro. É uma pena
que parte dessas obras seja do
Paulo Mendes da Rocha. Tenho
uma grande admiração pelo
Paulo como artista. Mas, na
Luz, faltou um pensamento urbano. Depois, tentaram integrar a Luz à Pinacoteca, mas é
tudo muito tímido.
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