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POLÍCIA
Segundo as investigações, freira e tradutora articularam a adoção irregular de bebês brasileiros por casais da Itália e da França
PF denuncia 16 por tráfico de crianças
ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA
Depois de cinco anos de investigação, a Polícia Federal conseguiu
reunir provas contra um esquema
de adoção irregular de crianças
por casais estrangeiros com envolvimento de pessoas em Goiás e
Ceará. Pelo menos oito bebês brasileiros foram enviados para Itália
e França entre 1995 e 1996.
Das 11.100 adoções internacionais regulares feitas de 84 a março
de 2000, 4.117 foram para a Itália e
2.837 para a França.
A Procuradoria da República
em Goiás denunciou 16 pessoas
por participação no tráfico de
crianças ao exterior. Na quarta-feira, o juiz Alderico Santos, da 5ª
Vara de Justiça, decidiu desmembrar a ação penal em duas.
Em uma delas, a tradutora cearense Núbia Saldanha da Cunha e
a freira italiana Paola Pellanda,
ambas de Fortaleza, são apontadas como articuladoras de processos irregulares de adoção. Funcionários de cartórios e mulheres
que se passavam por mães das
crianças também estão na ação.
As duas são acusadas de pagar
mulheres que se passavam por
mães das crianças e assinavam os
documentos exigidos para a adoção. Núbia e Paola afirmaram não
saber que as adoções estavam irregulares (leia texto nesta página).
Ambas responderão por promoção e efetivação de envio ilegal
de criança ao exterior, transferência da guarda de criança sem ordem judicial para adoção, alteração de direito inerente ao estado
civil de recém-nascido, com agravantes de continuidade dos delitos e envolvimento de terceiros.
As falsas mães também vão responder na Justiça por participação no esquema.
Os dois casais estrangeiros, um
francês e um italiano -identificados no processo como Giancarlo Zini e Assunta Massignan, Eugênio Balzarin e Lucia Fracca-
serão acionados por meio de carta
rogatória em uma segunda ação.
A medida tem como objetivo
agilizar os julgamentos. Eles adotaram três crianças.
A PF também confirmou que
outras cinco crianças foram enviadas para Itália e para França
dentro do mesmo esquema, mas
os endereços dos casais não foram identificados, o que impede
de citá-los no processo.
Segundo o procurador Fábio
George da Cruz Nóbrega, crianças
eram escolhidas no Ceará e registradas por falsas mães nas comarcas goianas de Jataí, Anápolis e
Santa Helena de Goiás.
O objetivo era escapar das comissões de acompanhamento
instituídas nas adoções feitas no
Ceará a partir de 1995. "Falsas
mães assumiam e registravam as
crianças como sendo filhos naturais para, em seguida, abrir mão
do pátrio poder", disse Nóbrega.
De acordo com ele, Núbia e
Paola recebiam até US$ 8.000 para
cada bebê adotado. "Não há nada
de errado em um casal estrangeiro querer adotar uma criança brasileira, desde que cumpra as exigências legais, mas o fato de haver
pagamento em dinheiro caracteriza tráfico", afirmou.
A delegada da PF na época,
Francisca Maria Borges de Souza
Hardy, investigou as ligações da
rede nos dois Estados. Para ela,
Núbia e Paola mantinham informantes em maternidades do interior para abordar as mulheres em
pior situação financeira e emocional. Segundo ela, o esquema pode
ser maior e mais crianças podem
ter sido enviadas para o exterior.
"As mães verdadeiras viviam
numa condição de miséria total.
Algumas não tinham sequer
consciência que os filhos seriam
adotados por estrangeiros", disse.
Prova disso, segundo ela, é a denúncia que deu origem ao inquérito da PF. Margarida Alves registrou queixa quando descobriu
que seu bebê, nascido em setembro de 1995, em Fortaleza, havia
sido adotado por franceses.
"Pensei que meu filho fosse para
um casal de professores aqui mesmo e que poderia vê-lo. Me arrependi de tudo", disse.
Em outubro de 1995, Paola teria
encaminhado outras três crianças
para Núbia. Os bebês foram registrados por Roselaine Rodrigues e
Joelma Alves de Souza na comarca de Anápolis antes de embarcarem com casais italianos.
Depois de receberem cerca de
US$ 300, segundo os procuradores, as duas teriam exigido mais
US$ 500 para não revelar o esquema à polícia. Procurada pela
Agência Folha, Joelma disse que
não comentaria o assunto. Roselaine não foi encontrada.
Em março de 1996, a fraude foi
descoberta. Segundo o titular da
Promotoria de Justiça de Jataí,
Wellington Costa, "todos os registros remetidos do Nordeste na
época passaram por sindicância e
providências foram tomadas".
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