São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2001

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POLÍCIA

Segundo as investigações, freira e tradutora articularam a adoção irregular de bebês brasileiros por casais da Itália e da França

PF denuncia 16 por tráfico de crianças

ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA

Depois de cinco anos de investigação, a Polícia Federal conseguiu reunir provas contra um esquema de adoção irregular de crianças por casais estrangeiros com envolvimento de pessoas em Goiás e Ceará. Pelo menos oito bebês brasileiros foram enviados para Itália e França entre 1995 e 1996.
Das 11.100 adoções internacionais regulares feitas de 84 a março de 2000, 4.117 foram para a Itália e 2.837 para a França.
A Procuradoria da República em Goiás denunciou 16 pessoas por participação no tráfico de crianças ao exterior. Na quarta-feira, o juiz Alderico Santos, da 5ª Vara de Justiça, decidiu desmembrar a ação penal em duas.
Em uma delas, a tradutora cearense Núbia Saldanha da Cunha e a freira italiana Paola Pellanda, ambas de Fortaleza, são apontadas como articuladoras de processos irregulares de adoção. Funcionários de cartórios e mulheres que se passavam por mães das crianças também estão na ação.
As duas são acusadas de pagar mulheres que se passavam por mães das crianças e assinavam os documentos exigidos para a adoção. Núbia e Paola afirmaram não saber que as adoções estavam irregulares (leia texto nesta página).
Ambas responderão por promoção e efetivação de envio ilegal de criança ao exterior, transferência da guarda de criança sem ordem judicial para adoção, alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido, com agravantes de continuidade dos delitos e envolvimento de terceiros. As falsas mães também vão responder na Justiça por participação no esquema.
Os dois casais estrangeiros, um francês e um italiano -identificados no processo como Giancarlo Zini e Assunta Massignan, Eugênio Balzarin e Lucia Fracca- serão acionados por meio de carta rogatória em uma segunda ação.
A medida tem como objetivo agilizar os julgamentos. Eles adotaram três crianças.
A PF também confirmou que outras cinco crianças foram enviadas para Itália e para França dentro do mesmo esquema, mas os endereços dos casais não foram identificados, o que impede de citá-los no processo.
Segundo o procurador Fábio George da Cruz Nóbrega, crianças eram escolhidas no Ceará e registradas por falsas mães nas comarcas goianas de Jataí, Anápolis e Santa Helena de Goiás.
O objetivo era escapar das comissões de acompanhamento instituídas nas adoções feitas no Ceará a partir de 1995. "Falsas mães assumiam e registravam as crianças como sendo filhos naturais para, em seguida, abrir mão do pátrio poder", disse Nóbrega.
De acordo com ele, Núbia e Paola recebiam até US$ 8.000 para cada bebê adotado. "Não há nada de errado em um casal estrangeiro querer adotar uma criança brasileira, desde que cumpra as exigências legais, mas o fato de haver pagamento em dinheiro caracteriza tráfico", afirmou.
A delegada da PF na época, Francisca Maria Borges de Souza Hardy, investigou as ligações da rede nos dois Estados. Para ela, Núbia e Paola mantinham informantes em maternidades do interior para abordar as mulheres em pior situação financeira e emocional. Segundo ela, o esquema pode ser maior e mais crianças podem ter sido enviadas para o exterior.
"As mães verdadeiras viviam numa condição de miséria total. Algumas não tinham sequer consciência que os filhos seriam adotados por estrangeiros", disse.
Prova disso, segundo ela, é a denúncia que deu origem ao inquérito da PF. Margarida Alves registrou queixa quando descobriu que seu bebê, nascido em setembro de 1995, em Fortaleza, havia sido adotado por franceses.
"Pensei que meu filho fosse para um casal de professores aqui mesmo e que poderia vê-lo. Me arrependi de tudo", disse.
Em outubro de 1995, Paola teria encaminhado outras três crianças para Núbia. Os bebês foram registrados por Roselaine Rodrigues e Joelma Alves de Souza na comarca de Anápolis antes de embarcarem com casais italianos.
Depois de receberem cerca de US$ 300, segundo os procuradores, as duas teriam exigido mais US$ 500 para não revelar o esquema à polícia. Procurada pela Agência Folha, Joelma disse que não comentaria o assunto. Roselaine não foi encontrada.
Em março de 1996, a fraude foi descoberta. Segundo o titular da Promotoria de Justiça de Jataí, Wellington Costa, "todos os registros remetidos do Nordeste na época passaram por sindicância e providências foram tomadas".


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